terça-feira, 30 de agosto de 2011

Hoje eu inalei uma parada...

por Raimundo Neto e Lucas Vieira

Hoje eu inalei uma parada ali que me deixou com os olhos vermelhinhos, vermelhinhos. Não, não é o que você está pensando. Foi o spray de pimenta - tido como arma 'não letal' - utilizado nessa segunda pela Tropa de Choque de Teresina, numa manifestação contra o aumento da passagem dos ônibus pra $2,10. O spray de pimenta age de forma inflamatória e lacrimogênea, atingindo as mucosas dos olhos, nariz e boca, provocando irritação profunda, tosse e outros efeitos colaterais. E olha, dissipa no ar que é uma beleza. Durante as várias intervenções da polícia sobre os manifestantes, pude ver velhinhas, crianças, mãe com recém nascido no colo e outras pessoas que aparentemente não tinham nada haver com o movimento, correndo para fugir do fiel amigo das Tropas de Choque. Vi também um ponto de ônibus com umas 25 pessoas apenas esperando sua condução dissipar por completo em menos de 20 segundos, devido a uma única borrifada do spray por um dos policiais. Esse mesmo ponto de ônibus que, iguais a muitos outros nessa cidade, já vi diversas vezes bem mais de 25 pessoas se apertando, se espremendo pra procurar um rastro de sombra que seja. Em uma cidade, muitas vezes insuportavelmente ensolarada e calorenta, essas paradas de ônibus parecem uma piada. Mas piada mesmo, um verdadeiro deboche é o próprio sistema de ônibus: alto custo, sem integração, não cumpre a demanda. Todos os dias pessoas são oprimidas, tratadas como coisas nesses ônibus e na sua espera. Tanto desrespeito gera uma raiva. Uma justa-raiva, digamos assim. A raiva que, de tão grande, arde. Arde! E ardendo assim, tolhidas e tolhidos do seu direito de ir vir, do seu direito de ter acesso aos (poucos) serviços que a sociedade oferece, essas pessoas resolvem gritar, manifestar, protestar na esperança de que suas vidas não sejam ainda mais golpeadas pelos interesses de patrões e empresários. Mas não é uma esperança que espera, é uma esperança que leva ao agir, inspirados nos exemplos das mais diversas lutas que, por conta delas, fez com que ao longo do tempo, os governos, as polícias a temessem. Assim, utilizam de várias formas de pressão para que que suas vidas possam mudar um pouco, serem tratados como verdadeiros humanos e um dia, de fato, poderem, autonomamente, dar direção a suas vidas. Mas o que arde mesmo, o que arde é ver que toda essa opressão pode ser ainda maior, e que ao simples direito de protestar, somos recebidos com spray de pimenta. Pimenta, uma especiaria, um tempero há muito utilizado na culinária mundial, sendo utilizado para uma repressão que, com certeza, não iremos engolir. Não vamos escolher o tempero em que seremos devorados. Não vamos deixar ser devorados!

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