domingo, 30 de outubro de 2011

Um Pouco do Veneno




E quando eu olhava naqueles olhos azuis, tinha vontade de mergulhar fundo, fundo, bem fundo no mar de tristeza daquela alma e salvar seu coração. Para fazê-lo parar de sofrer, para roubá-lo pra mim. Mas, isso não me faria à heroína, me faria à vilã.


O coração dele já havia sido entregue a outro alguém.
O problema é que eu havia entregado o meu e agora não sabia como reaver.


E não ajudava nada vê-lo morder aquele canudo da minha caipirinha de morango que ofereci um gole e ele tomou toda pra si, enquanto pensava seriamente sobre o que fazer com todos os problemas. Eu quis dizer joga tudo pro inferno e vem comigo, mas não fiz nada. Apenas sentei naquela mesa, ignorei o som alto demais e fiquei olhando pra ele, imaginando que gosto tinha a vodca quando se bebia no beijo dele.


Que diabos ele fazia aqui, afinal?


Porque, quando eu terminei de passar o rímel gelado pelos meus cílios, e Cecília me contava qualquer um daqueles casos de amores fácil demais dela e Amanda ria dos seus sapatos novos e desconfortáveis, eu havia decidido que aquela noite era inteiramente nossa. Eu deixaria meu coração em casa e meus quadris gritariam: eu quero esquecer um amor, música me ajude!


Mas, parece que ele estava decidido a arruinar tudo isso.


Então, não bastava que a namorada dele morasse no meu prédio e eu precisar sorrir para ela sempre que a encontrava no elevador, ele precisava passar no meu apartamento sempre que vinha de lá, só pra dizer oi, só pra sorrir, só pra tomar um café e ficar só um pouco-porque-está-tarde-e-eu-não-quero-te-incomodar. Só pra se certificar de que o rosto dele estava de mudanças definitiva pros meus sonhos.


Não, é claro que não bastava.

Ele precisava chegar com aquela camisa branca que eu adoro e se encostar-se à parede de frente à minha porta dizendo que não sabia mais o que fazer, que amava, mas não agüentava mais sofrer, que odiava brigar, me perguntar o que ele estava fazendo de errado só pra me ouvir dizer que o problema não era ele, era toda essa situação.

Então ele me viu toda arrumada e ouviu Amanda me gritando sobre como aquele lugar estava bagunçado e onde eu arrumava saltos confortáveis. Riu sem graça. E doía ver que ele estava mal, mas doía mais ainda saber que continuaria doendo em mim depois que ele se entendesse com a namorada.

Mas, confesso: quando vi já o tinha convidado pra ir conosco. Engraçado que mesmo vendo claramente uma noitada de garotas-solteiras-prontas-pra-detonar, ele topou. Assim que apresentei as meninas o nosso convidado extraordinário, elas o odiaram. Primeiro, porque amigas sempre odeiam os caras que fazem as suas amigas sofrerem e, segundo, porque elas queriam muito que aquilo fosse um encontro, mas sabia que não ia ser se estivessem por perto, e elas não iam ficar longe.

Mesmo assim, todas sorriram e o convidamos a sentar e saber mais sobre como as meninas são antes de um encontro. Ele riu, e era bom saber que eu ainda o fazia rir, mesmo que o olhar fosse quase como implorar para que as lágrimas descessem, borrando toda minha maquiagem.

E o que imaginei que seria uma noite cheia de quadris soltos, acabou se tornando quase um tango leve. Eu até tentei dançar com as meninas, mas vê-lo parado com uma cerveja na mão, meio que fugindo das luzes piscantes, olhando pros lados procurando nos olhos de alguém como se comporta alguém que não sabe dançar, mas topa ir pra uma boate... Simplesmente fui até lá e fiquei por perto.

Quando vi, eu estava atrás dele, com minhas mãos nos quadris duros tentando ensiná-lo qualquer coisa sobre dançar enquanto ele ria envergonhado de tudo aquilo e eu fui ficando tonta, não sei se pelo perfume dele ou pelas luzes piscando vermelhas e violetas e verdes. Então ele me chamou pra sentar ali naquela mesa e concordei, não sei por quê.

Ele tomou o ultimo gole, fazendo aquele barulho de quando as coisas acabam e o canudo grita por mais, levantou e se sentou do meu lado. O rosto dele ficará tenso. - Eu vou terminar. - disse, naquele tom de decisão que dói. Eu tomei um susto imenso. Meus dedos soltaram-se da mesa e minhas sobrancelhas tentaram se beijar.

E então meu corpo foi invadido por uma esperança meio vaga, meio torta, mas que lá estava. A alegria estranha de quem vê a luz no fim do túnel escuro. - Tem certeza? - eu quis confirmar e precisei controlar um sorriso. - Não! É claro que não! Eu gosto demais da Marília, não me vejo sem ela... Mas, também não suporto mais tantas brigas... - e então eu o vi desviar o mar azul para um ponto qualquer.

Tive a impressão que via o mesmo que ele quando coloquei os meus olhos naquele ponto. Eu via um casal feliz, que se amava, que superava todas as diferenças em nome de estar ali, junto. Eu vi amor e doeu. Porque toda a minha esperança havia dissolvido dentro do meu sangue e só me restava uma coisa: ser a amiga que ele precisava agora.

Então engoli o choro ainda na garganta e fiz o que fazem os bons amigos. - Então não termine, oras! Diz-me, Allan, não vale mais a pena lutar? Todos os momentos bons não são suficientes pra superar uma fase difícil? O que você vai fazer com todo esse amor se terminar o namoro? - e eu vi um sorriso no rosto dele quando terminei. Eu tentei imitar. - Eu vou pedir desculpas agora! - ele disse, levantando-se num tremor estranho e me olhando. - Obrigado, de verdade. - e ele me abraçou, comigo ainda sentada.

Depois eu o vi mergulhar na multidão e sair dali. Em direção ao amor que eu e ele sabíamos ser o dele. E apesar de vê-lo partir, assim, todo alegre para outro alguém, uma satisfaçãozinha pousou sobre o meu ombro e eu a deixei ficar. Era bom ter um pouco de companhia antes de mergulhar na tristeza novamente.

(Ilzy Sousa)

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