terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Eauvolchis - a lenda de um clã I


Estava correndo pela floresta, era uma noite muito clara, dessas que a lua faz as sombras das arvores ficarem alongadas e fantasmagóricas, e ilumina os olhos dos animais como faróis verdes, mas ele não parou pra ver tudo isso, corria numa pressa que consumia todo seu pensamento, só podia correr, nada mais, corria e para isso empenhava-se ao máximo, seus músculos contraiam-se sobre seus ossos enquanto uma dor latejante começou a brotar do lado esquerdo do seu abdômen. Parou abruptamente na intenção de tomar fôlego, com as mão no joelho e ligeiramente curvado percebeu o quanto estava ofegante e de quanto tinha percorrido até então, ao olhar a sua volta não reconheceu o local, aquilo era estranho, pois conhecia os terrenos de Tuarah¹ como a palma de sua mão.
Decidiu então percorrer mais lentamente o caminho, tentando encontrar algo familiar ou mesmo uma forma de voltar para casa, afinal Ladahria² já estaria preocupada com sua demora. Ladahria, o motivo de ele estar ali, com os pensamentos em ordem e vagando pela floresta viu como tinha sido estúpido quanto à briga que teve com sua melhor amiga, tinha saído no meio da discussão e sem pensar duas vezes mergulhou na densa floresta ao norte de Tuarah, e agora estava perdido e imaginava o quanto a sua castanha riria da bobagem que fez quando voltasse para casa.
Ria de si mesmo quando viu um deslumbre por entre as arvores, aparentemente a lua refletia-se em algo além dos troncos próximos, parecia água, talvez fosse um lago ou então um rio, ele torcia imensamente para que fosse algum braço do rio Rondao³, assim ele poderia se orientar até o vilarejo, já estava morto de fome e começava a sentir a fadiga decorrente da corrida sem sentido.
Porém era um lago que refletia a luz do luar, um lago imenso no meio de uma clareira que caberia a vila inteira com sobras largas, mas o que mais lhe chamou a atenção foi o quão belo era esse lugar, nada que ele tivesse visto em tantas de suas viagens pelo reino se comparavam a beleza desse lugar, ao centro estava o lago que mesmo a noite possuía águas tão transparentes que era possível ver a areia em sua margem, mas a profundidade do mesmo fazia com que o translúcido se tornasse negro à medida que avançava para mais longe. Às margens a grama verde esmeralda cobria todo o interior da clareira, salpicada por pequenas margaridas brancas, tudo era muito calmo e silencioso, quase como um encantamento. Nesse momento lembrou-se de quando sua mãe sussurrava canções sobre magia e encantos e o quão perigoso é o silêncio.
Antes que pudesse dar meia volta e seguir para onde tinha vindo, uma perturbação nas águas do lago o deteve, ele olhou atentamente, e por mais que a noite estivesse clara, não conseguia distinguir a forma que saia das águas, era diferente de tudo que já havia presenciado, nos livros não aprendera nada sobre aparições de espíritos, só sabia usar o arco, mas este só atravessava coisas solidas, e ele tinha certeza de que o que via se tratava de algo irreal.
Do lago surgia uma silueta esbelta, de uma mulher jovem, na luz da noite só podia distinguir suas formas, as quais ele jamais esqueceria, era a visão mais linda que havia tido, e se aproximava dele, ele sentia que algo perigoso o observava, mas não conseguia tirar os pés do chão, ao contemplar a jovem sentia paz e medo, era estranho, ele já estivera com mulheres antes, em situações bem mais desconcertantes que essa, mas olhá-la era como se deparar com um anjo, um ser completamente distinto dos demais. E ela continuava sua aproximação, já percebera sua presença e estava nitidamente caminhado em sua direção.
Agora mais perto ele podia diferenciar sua forma nas sombras, tinha longos cabelos negros, sua pele lembrava porcelana fina à luz do luar, os lábios estavam comprimidos em tensão e ficavam mais vermelhos a medida que ela os mordia, estava encharcada, sua emersão do lago fez com que o leve vestido de chiffon* ficasse colado em seu corpo, os cabelos molhados e o ar sombrio de sua face lhe davam um aspecto selvagem e belo. Distraído pela beleza da dama da água mal teve tempo de se recompor, quando deu por si estava no chão com a moça sobre ele e uma adaga contra seu pescoço.
- Como chegou aqui? – exigiu asperamente a jovem enquanto seu cabelos caiam como cortinas negras ao lado de seu rosto molhando-o por completo. Ela era hábil e veloz, o colocou no chão mais rápido que qualquer homem que conhecia e havia lutado, com seus quadris sobre suas pernas tornava qualquer movimento altamente arriscado por conta da lamina fria que pressionava sua garganta. – eu perguntei como chegou aqui? – exigiu novamente, como não teve resposta à indagação anterior. – quem lhe enviou? Quem é você?
- Ninguém me enviou, e não sei como cheguei até aqui – estava sendo sincero, porém isso não pareceu convencê-la, ao contrario, ela afundou mais ainda a adaga fazendo escorrer uma gota de sangue escuro que cintilou ao cair na grama – calminha, agora se você afastar a faca, moça, eu prometo responder qualquer pergunta que queira fazer.
Perante isso ela pareceu se contentar, tão rápido quanto o atacou ela se levantou e estava de pé, inabalável, como se nunca tivesse saído do lugar. Ele já estava impaciente com aquilo, nunca uma mulher o havia dominado dessa maneira, ainda mais uma tão bonita, sempre teve fama de conquistador, era sempre o primeiro a falar e a agir, mas agora se sentia acuado e derrotado. Enxugou o sangue com as costas da manga e sentou-se no chão, olhou para cima e viu a jovem altiva e arrogante, olhando para ele como se fosse um águia espreitando um rato perdido.
- Olha, moça, como eu disse eu não sei como cheguei aqui e se você me der licença pretendo chegar em casa antes do amanhecer, então – fez menção de se levantar, mas ela afundou-o pelo ombro forçando-o a permanecer sentado. Nessa hora tudo ficou escuro, foi como se o tivessem sugado para os confins da terra, ele piscou tentando ver algo, mas tudo era breu, der repente uma luz forte o segou, estava novamente na clareira, mas era dia, e diante dele estava uma mulher ruiva e não morena, e esta lhe sorria.

NA¹: primeira parte do conto, espero que gostem, vou postando a medida que for escrevendo e quando fizer sentido para uma continuação.
NA²: dica leiam escutando o álbum Irish Jing – Gwendal
NA³: abaixo um pequeno glossário:
¹ vilarejo ao sul da floresta de Nevah e é perpassado pelo rio Rondao.
² sacerdotisa do clã Tuarah, maga ilegítima
³ rio poderoso que alimenta as três grandes nações: Eauvolch, Avenon e Therento
* tecido leve e transparente
  
(Nynna Zamboti)

Um comentário:

  1. Tenho duas histórias inacabadas, vou mexendo nelas vem em quando, mas me prendo demais a questão da fala, do diálogo entre as personagens. Por isso Yohanne tenho que ser deveras sincero contigo: a descrição dos ambientes, personagens, enredo, é impecável, isso é uma característica sua me parece. É engraçado a forma com eu tento visualizar tudo que você constrói no conto, porque eu tento, mas se releio não tenho mais aquela imagem primeira. me envolvo na história. Não consegui ver você ainda, fato que também me parece ser característica do seu conto, mas como um todo está muito bom mesmo.

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