domingo, 26 de fevereiro de 2012

PESADELOS E TROVÕES




Estávamos em alto mar. Éramos três sobreviventes de um naufrágio, e nos segurávamos em um pequeno barco à vela.
O mar não estava calmo e, até aquele momento estávamos enfrentando fortíssimas turbulências. E o pior de tudo é que não sabíamos em que parte do mundo nos encontrávamos.
Havia algum tempo que a embarcação que nos levávamos para as ilhas do pacífico tinha sucumbido por causa de uma tempestade que nos pegou de surpresa, levando quase toda a tripulação só sobrevivendo nós três.
Foram dias... não sei ao certo, perdi noção de tempo, sob um sol escaldante, ventos, turbulência, a falta e água e comida, em fim, avistamos terra.
Por um momento, tive a nítida impressão que não estávamos mais vivos. Os deuses lá em cima devem ter nos guiado em nosso pequeno barco por esse imenso oceano, como bebê faz ao brincar com seus brinquedos na banheira.
Falo por mim, porque naquela situação eu havia me esquecido dos meus dois companheiros. E assim, sem emoções só com as sensações dos cinco sentidos, registrava tudo o que acontecia.
Parecia um cenário de filme: ao chegarmos à ilha fomos recebidos por estranhos habitantes.
Tenho certeza, que há muito tempo, eles haviam nos avistado: observei que perto da enseada havia um morro de rochedos na qual se podia avistar á léguas qualquer embarcação que se aproximava daquela ilha. Presumir, então, que a muito eles nos esperavam.
Era assustador o modo como tudo estava acontecendo: os gritos a fumaça, aquelas pessoas...
Desejei que tivéssemos antes morrido de inanição do que sermos devorados por canibais.
Mas o que eu estava pensando? Era isso mesmo, canibais!
O modo como eles agiam, se vestiam e tudo o mais e, depois olhei a minha volta e tive a certeza absoluta que eram canibais: os vestígios estavam por toda a parte, em ossos, crânios humanos !
Homens que escondiam seus rostos com grandes máscaras de palha ou pintados com tintas em várias cores e lembrando vários motivos geométricos. Tinham a pele escura e estatura mediana.
Estavam armados com enormes lanças pontiagudas apontadas diretamente para nós. Gritavam em um dialeto estranho: me sentir como uma caça capturada.
A aldeia estava organizada, ao meu parecer regularmente, com suas cabanas que me lembrava aldeias indígenas, cobertas e palhas, que formavam aparentes cogumelos gigantes.
Nos agarraram e nos levaram para uma espécie de caverna subterrânea ou cativeiro. Nos levaram água, uma espécie de chá de gosto estranho e só.
Cada um de nós três, estava confinado em um espaço, tanto físico como psicológico: cada qual com seus sentimentos de sofrimento, angústia, medo e fome.
Para mim, aquilo era o inferno depois da morte que ainda ia acontecer.
Já se fazia muito tempo que estávamos nos mantendo presos no escuro, só nos dando líquidos. Á noite, eu ouvia sons estranhos: gritos, tambores, cânticos.
Chovia muito também. Trovões violentos faziam estremecer até o interior do meu corpo.
Lembrei-me que antes de prepararem certos moluscos nos restaurantes, eles são submetidos á etapas de mais ou menos uma semana em completo jejum. Tudo para que seus organismos se tornem limpos. Então associei esse nosso estado com o do molusco.
De repente a porta da palhoça foi aberta, a luz que veio de fora me feriu os olhos. Percebi, então que já era noite e que aquela claridade toda, não era luz do sol, e sim e uma enorme fogueira, de ossos!
Depois entrei em um outro mundo, um mundo de alucinações: senti que se aproximava alguma coisa ou força estranha e poderosa.
Me colocaram em um canto qualquer. Eu não sabia o que pensar ou agir, só observava e guardava tudo em minha memória.
Uma nuvem branca tomou todo o céu escuro. De repente foi como se fizesse dia outra vez. A fumaça foi se amontoando e tomando forma de algo, ou melhor, uma criatura.
Num bocejo e numa espreguiçada, o gigante – que antes não passava de uma nuvem de fumaça branca, foi se tornando escura – tomou forma.
Uma criatura negra e assustadora. Um deus furioso que acordara soltando estrondosos trovões em protestos. Mas a medida em que ia abrindo os braços, ele ia se dissipando, até se transformar em nada...
Acordei assustada, estava em casa, a salvo da chuva que caia lá fora.
Trovejava bastante também.










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