terça-feira, 27 de março de 2012

Transmissão


Chorava. Chorava muito. Lágrimas compulsivas e desorientadas, misto de raiva e frustração. Tentava, em vão, golpear o meu corpo, murros de mãos fechadas escapavam ao ar, sem direção. Não fiz esforço em segurar-lhe os pulsos; colei meu corpo junto, num abraço terno. Alisei-lhe os cabelos desgrenhados, mas lindos, que escorriam pelas costas. "Vai ficar tudo bem; se acalme!". Demorava a acreditar. Não era possível: tanta convivência juntos, tantas besteiras compartilhadas, e aquele dia-a-dia passaria a ser o antes. "Temos mais memórias do que perspectivas. Guardemos tudo aquilo que foi bom". E eu colocava nos braços aquela que se fazia de forte, de doida, de durona, mas queria apenas alguém que a reconfortasse por um instante. Cessadas aquelas lágrimas, a tremedeira espásmica de carne em convulsão, o choro caiu automático do meu corpo. Só caiu, por um bom tempo. Em seguida, mãos no rosto, língua passeando pelos lábios salgados e, igualmente, ressequidos, baixei a cabeça, respirei fundo e, ato contínuo, ergui os olhos rentes aos dela e falei: "É o que temos pra hoje; prosseguir". Abracei-a com mais força, afastando-me de súbito, e acenei já de longe. É, sua linda: chegou a hora de passar a bola.

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