sexta-feira, 13 de abril de 2012

Tem um lobo na minha porta?


Acredito lealmente numa premonição: a de que serei morto no meio da rua. Não sei se a mando de alguém, por conta de um assalto, ou coisa que o valha. O modo não vai importar, e eu nem tenho como prever nada. Tudo isso porque eu confio na humanidade. Ser humano é muito complexo, somos diversos, de diversas formas. Mas, no geral, somos da mesma espécie. E eu acredito que a gente vai mudar, a gente vai ser mais, a gente vai pra melhor. E acredito também que, do mesmo jeito que existe gente ruim nesse mundo, que existe gente que nem experimentou o direito de escolher ser bom ou mau.

Ontem, mais uma vez, fui assaltado. De madrugada, na volta pra casa depois de uma bebedeira. Nem que não fosse, não me desqualifica nem tira o peso do acontecido. Não fui cauteloso, não acredito nisso de medo de andar nas ruas, fui a pés pra casa (tá, poderia ter pego uma moto-táxi. Podem parar de sentir dó do vacilão aqui).

Sou tão gente quanto as que vão pras estatísticas, que aumentam os arquivos públicos com dados de “como a cidade está perigosa”, “como precisamos de mais segurança”. Discurso político para nos vigiarem. Acho graça (ironicamente) de anúncios como “SOCIEDADE EM PERIGO”, “Protegendo o cidadão”, “A sociedade precisa de segurança” e afins. Essa idéia fácil de sociedade em perigo, na verdade, esconde um discurso segregacionista de “sociedade”, “cidadão”, “segurança” de um lado, e “marginal”, “bandido”, “precisa de taca” de outro. Não somos tod@s sociedade? Somos tão humanos quanto os caras que nos abordam no meio da rua, altas horas da madrugada (ou de dia claro mesmo), e pedem pra passarmos tudo.

Não reajo a eles; resisto. Tento preservar coisas que me são valiosas não pelo preço delas (porque, se forem caras, também vão interessar aos assaltantes), mas pela importância (materiais de estudo, ó, estudo que tanto faço para analisar formas não de enfrentar esses caras, mas de como fazer que não precisemos segregar irmãos de espécie). Ontem, dois celulares e dinheiro me foram levados (e ainda perdi minhas fichas do refeitório). Preservei minha mochila, meus cadernos, meu conhecimento. Ainda fiz um apelo “deixa um celular” (sim, tinha dois, “herdados” de meu irmão), “pra falar com minha mãe”. Em vão. Penso na mamãe nessas horas. Ela diz que eu sou doido e, tipo a mãe de Jeremias de “Os Que Bebem Como os Cães” (acho que ela diz isso porque me ouviu dizendo), que “não sou a palmatória do mundo”.

Não fico revoltado, muito menos vou sair por aí dizendo “bandido filho da puta”, não concordo com essa cultura criminalizante que muitos de nós adotamos. O que eu fico é triste, de verdade, pelo fato de não ser reconhecido pelo oprimido como irmão de luta. Quase que certamente, os caras que me assaltaram não têm a menor elaboração teórica do que seja isso (embora saibam que são oprimidos, mesmo não dizendo, mesmo não refletindo isso. Assaltar é uma forma de expressarem essa percepção. Não julgo certo ou errado, constato isso todavia). De que, na verdade, em vez de nos ofendermos, deveríamos estar irmanados na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Lembro da monografia que fiz para o Bacharelado em Direito. Uma autora muito massa dizia que nós nada somos ou valemos se não contarmos com o olhar acolhedor do outro. Um homem nasce e morre decisivamente a partir do olhar que o outro lança sobre ele. Não vou cansar de lembrar e repetir esses ensinamentos. Vou continuar acreditando que não preciso ter medo de andar pelas ruas do meu bairro. Um bairro criminalizado, onde a polícia passa não para fazer patrulhas, mas para procurar criminosos, diferentemente da “parte rica” da Zona Leste.

Não vou dar uma de pequeno-burguês e querer que as pessoas dos bairros mais ricos economicamente da cidade sintam na pele a criminalização, que haja uma inversão de pólos e meu bairro seja mais “seguro”. Todos merecemos proteção. Não de uns contra outros, mas que sejamos protegidos contra os abusos do Estado que nos oprime, e do sistema que o embasa. Essas, sim, são estruturas operadas pelas pessoas ruins de que falei no começo do texto.

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