terça-feira, 17 de julho de 2012

Vozes da in(equidade)



De repente, todo mundo tinha voz.
O negro velho tinha voz. Voz rouca, cheia de calos
E repleta de certezas intangíveis, mas era deveras uma voz.

A mulher também falou. Sim, palavra! Primeiro uma, tímida
Imprimindo pegadas fonéticas no quente asfalto
Depois outra, mais concreta, como alguma coisa humana
O mundo inteiro eram palavras, histórias, momentos

Falaram gays, velhos...
crianças nasciam perguntando sobre a bolsa de valores
e discutindo o sentido da vida e o direito à morte
até o tato se dissolvia em som
E o som atravessava os bairros, as cidades, os continentes
Atravessava os corpos como facada

O homem também falou, queixando-se da qualidade de vida
E das condições de trabalho
Falou o proprietário, o proletário
O homem montou sindicato da palavra falada

Pessoas falavam nas praças, nas ruas, jardins...
As escolas, escritórios, academias estavam todas vazias.
Os homens queriam falar
E já havia muitas vozes no mundo

Fora criado o Estatuto Mundial da Palavra Falada em versos alexandrinos
Para organizar a voz dos povos. Mas já era impossível calá-los
Houve conflito pela posse do fonema
Patentes foram criadas. A voz estava afiada como navalha.

Milícias saíram às ruas com microfones à mão.
A polícia recitava Camões a toda voz.
Palavras cortavam os céus como pedra e aço.
Sem mais palavras, a política de juntou aos povos

O governo congelou salários. Os bancos, sussurrando,
Capturaram todas as rimas ricas do mundo e oficializou golpe de Estado

Os manifestantes foram reprimidos com tiros de dicionário
Dante erguia barricadas, Proust cavava trincheiras
E a voz tinha cor e gosto
E pintava a todos de verde a azul
Já era impossível distinguir os rostos
E o gosto era amargo como sangue

Manoel Guedes de Almeida
Teresina – 12/07/12.

Nenhum comentário:

Postar um comentário