quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Retroagindo à Infância



Eu era menina, nos olhos havia encanto e nos gestos doçura, costumava olhar o mundo a minha volta através do muro baixo de minha casa, era de lá, nas pontas dos pés que via tudo e todos passarem. Afoita, saia correndo de casa quase todos os dias, percorrendo as ruas sem destino matando curiosidades, falando com as gentes, sentindo o vento da corrida no rosto e nos cabelos que esvoaçavam.  Liberdade demais para uma garota, não acham? Não quando o que se vive é somente fruto da imaginação. E era assim que eu vivia minha rua, no meu bairro Porenquanto.
Junto comigo cresciam crianças, cresciam casas e sonhos, não era um pedaço de asfalto comum, era mágico, um universo perfeito, lembro que brincávamos na rua, de pega, cola descola, queimada, andávamos de bicicleta, pulávamos elástico, de uma ou duas pernas, casinha e boneca era brincadeira de terraço, lá também tínhamos vendas, quitandas cheias de sortimentos cujos produtos vendidos eram feitos de flores, folhas, terra, areia, pedras, tudo tão natural quanto a nossa ingenuidade infantil.
Era uma rua de casas sem igual, casas confortáveis e mais elegantes ao lado de casas simples, mas eu nunca fiz distinção, as mais simples sempre eram mais surpreendentes, seus moradores sempre mais receptivos, e as casas sempre tinham grandes quintais e era lá o cenário em que ocorriam todas as aventuras, uma árvore transformava-se em moto, trem, um córrego de esgoto era na verdade um rio ou lagoa, as bananeiras eram as florestas em que nos refugiávamos de perseguições ou nos perdíamos dos mocinhos a fim de que no final, eles pudessem nos salvar. Entre uma brincadeira e outra, degustávamos frutas do pé, seriguela, pitomba, ata, goiaba, manga, e tudo mais que conseguíssemos alcançar.
Uma época de alegria sem fim, cujo o tempo tinha a duração de uma eternidade, a noção de dia e noite só ficava clara quando eu ouvia os gritos de minha mãe na esquina chamando o meu nome, era o sinal de que estava na hora de dar pausa na imaginação e voltar ao mundo real. Mundo colorido, que nem mesmo na ausência das brincadeiras perdia suas cores, por que o arco-íris estava ali sempre perto de mim.
Neste momento os olhos marejam, a boca resseca, a memória entra num túnel do tempo de volta a atualidade, como num filme, vendo tudo passar num instante, insuportável quase em colapso em virtude da quantidade de informações sendo comprimidas, tudo pode ser traduzido em um único sentimento: saudade.
Hoje minha rua é mais asfalto, mais tijolos e menos emoção, a solidão anda na rua e nas calçadas antes tão habitadas de gente, conversas e sorrisos, vizinhos, eles existem? Quem sabe, eu não sei, eles devem estar trancafiados, protegidos por seus muros altos, suas cercas elétricas, presos em seus receios e medos. São muros simultâneos que se erguem, os muros de concreto e solidão. Saudade dos meus tempos de menina em que eu nunca estava realmente sozinha, por que o amor de tantas pessoas me fazia companhia.

Jacy Coelho

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