quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O ônibus


Celso era um jovem com traços acaboclados. Cabelos lisos e negros, castanho-escuro, pele parda e um corpo esguio. Um típico brasileiro. As meninas achavam o um jovem com uma beleza exótica e sempre o paqueravam. Era tímido e sozinho, normalmente não respondia as provocações sexuais que sofria. Andava sempre nos mesmos lugares e divertia-se como um jovem recatado. Não bebia, não fumava e não tinha amores. Apenas estudava Filosofia na Universidade Federal do seu Estado e tocava seu violão com cordas de nylon nas horas vagas e entre aulas.

Desde criança foi educado aos dizeres de sua mãe e pai Glória: “Estude, pois o maior bem de um ser é o conhecimento”. Aquela mensagem empreguinou na sua mente de uma forma, que a partir dos seus 7 anos seguiu os conselhos maternos e seguia lendo tudo que via.

Concentrado, determinado e abraçado pela sorte rara. Teve o acompanhamento necessário para seguir seus estudos, mesmo nas dificuldades, com o suor e exploração do trabalho docente de sua mãe. Teve a sorte que poucos de sua rua tiveram, a sorte de ter a atenção e carinho de uma mãe e um estudo propício a ingressar na universidade.

A escolha de tornar-se um filósofo e seguir na carreira docente veio de inspiração ao falecido pai e a mãe. Lia Nietzsche desde os 15 anos. Vivia num mundo de livros. Penetrava numa multidisciplinaridade de uma maneira pouco vista.

O seu violão, seu grande amigo, ecoava sons grunges e punks. Amava a filosofia libertária. Apesar de ser preso aos livros e músicas, sonhava em viajar por novos mundos e experiências. Sempre se inspirava na música A Lei de Raul e viajava nos escritos de Emma.

As pessoas não viam graça na vida de Celso. Tão jovem, não se apaixona, não bebe, não fuma e anda apenas nos mesmos lugares sempre no terceiro final de semana do mês. Tão concentrado e tão contraditório. Uma pessoa presa a timidez, rotinas e estudos, mas ao mesmo tempo amante da libertação e do carpe diem.

O próprio Celso percebia que faltava algo nele. Não conseguia se entender. Era feliz. Amava ler, tocar, passear no museu e no parque. A convivência com sua mãe era boa e o cometia uma paz enorme. No entanto, faltava-lhe algo.

Quanto mais ele lia, mais sentia necessidade de algo e tentava cobrir esta lacuna tocando e compondo músicas.

Um dia após uma longa chuva em plena terceira sexta feira do mês, Celso saia da biblioteca universitária, rumava pra sua casa e ouvia Nirvana para se distrair de um dia cansativo de final de semestre. Modificava sua rotina depois de tanto tempo. Entrou no coletivo, que estava vazio, por sinal, e sentava ao lado de uma moça no banco de trás.

Na metade do caminho a moça olha pra ele e pergunta:
¬¬--- Nossa coisa rara alguém gostar e usar uma camisa do Latuff nesta cidade- sorriu e apontou para a camisa.
Celso meio sem jeito olhou nos olhos daquela jovem e retrucou:
--- Qual o seu nome?—e olhou nos olhos daquela desinibida garota.
--- Apareça no Show do Tributo a Legião Urbana amanhã, na praça da Liberdade- respondeu a moça.

Logo após, a menina misteriosa levantou-se e pediu parada ao condutor, olhou nos olhos de Celso e sorriu.

O pretérito saia da sua vida. O coletivo parecia mais lento do que o normal e a respiração do jovem recatado mais ofegante. Sensações estranhas e enigmáticas, porém prazerosas.

O jovem tímido chegou em sua casa, ligou o som bem alto e ao som de The Man Who Sold The World, olhou para o teto até dormir.

(Miguel Coutinho Jr.)

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