sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Sob(re) o Corvo

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Na escuridão nada há de estranho
Pois lá resido e me encontro,
E me ponho no vasto infinito
Ao lado de um corvo.
 
[“Fique
                          comigo!”]

Na noite de mais profunda contemplação
O corvo traz uma luz fosca, quase boba
No que fito olhar – e não em vão
Que a lânguida leveza enaltece

[“Trago
                          consigo!”]

As penas negras me seduzem funebremente
E no olhar negro, Raven – O corvo
Feitiça calmamente ao prepotente consciente
Que já não via estrelas no quadro negro

[“Hipnótico
                             Contigo”]

A brisa noturna quase me fez esquecer
De enaltecer os pares de círculos
As esferas redundantes dessa noite
pegar-te-ei com meus dedos

[“Batimento
                             Acelerado”]


Sobre a bênção de Vênus, eu me separo
E você em voo rasante se despede
Ao passo que não me desfaço das asas
Do odor de carne, da saliva e do abraço.

[“Bendito
                               Corvo”]

Hugo Barros

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Outubro Rosa - Ariêtes, abóbadas e auroras fenomenais

Não será uma poesia; será uma dispersão psíquica e surreal.
A amiga que outrora cruzara comigo no corredor da academia, da universidade...
Ela se teletransportou, transmutou-se e assumiu uma forma mais jovial ainda
 e atingiu meu sexto sentido.

Ela já se chamou Anna, Márcia, Julianny, hoje virou uma Karina, e sabe-se lá o que virará.
(Os nomes são reais; as mulheres também; a alma eu não sei explicar, mas há um karma)
Na filosofia oriental se chama "a mulher que passa". Ou, machadianamente, "olhos de ressaca".
Isso não é o mais importante... a pessoa, enquanto ser humano, é importante e vivaz - isso concretiza.

Um dia, marquei um encontro com a Julianny, apesar de só nos encontrarmos ao acaso e sempre conversáramos sobre aquele mesmo assunto: uma poesia, uma sabedoriazinha, um livro que um dia íamos fazer - e com ilustrações coloríveis, esse era o critério: liberdade, liberdade, sempre...

Mas a Julianny ela partiu precocemente, avoou para céus os mais altos, longínquos demais para mim; isto quer dizer, para eu poder alcançá-la; mas, ainda dialogamos, os sinalizados dejavùs, as pistas que acontecem no destino, as jornadas de viajôr que por vezes é preciso empreender e vencer empecilhos; e ela sempre ali, sacrossanto prêmio, por vezes distante, por vezes próximo; nunca atingível, imaculado, pureza pura qual wodka.

Me pediram para evitar um pouco o jornalismo e escrever poesia, sendo que já não o sei mais; é muito difícil lembrar escansões, rimas, métricas, sandices parnasianistas, e etcoétera.
Prefiro a poesia das ruas, mundanas, sabidas, ensinamentos únicos e velozes; de relance, de revestrès.
Uma mensagem ficou na minha memória, lendo de trás p'ra frente: "maktub" - está escrito.
(porém, não é a melhor tradução, os árabes já o disseram; e eles, ah, êles me devem explicações e muito, muito mais.).

Para Karina, olhos de ressaquinha.
Uma beleza rara e verdadeira.
Uma jóia com acento.
A garota do batom, garoto!
A coca-cola zero verde da véspera.
Menina-Moça-Mulher (M³).

Outubro Rosa - Ariêtes, abóbadas e auroras fenomenais

Não será uma poesia; será uma dispersão psíquica e surreal.
A amiga que outrora cruzara comigo no corredor da academia, da universidade...
Ela se teletransportou, transmutou-se e assumiu uma forma mais jovial ainda
 e atingiu meu sexto sentido.

Ela já se chamou Anna, Márcia, Julianny, hoje virou uma Karina, e sabe-se lá o que virará.
(Os nomes são reais; as mulheres também; a alma eu não sei explicar, mas há um karma)
Na filosofia oriental se chama "a mulher que passa". Ou, machadianamente, "olhos de ressaca".
Isso não é o mais importante... a pessoa, enquanto ser humano, é importante e vivaz - isso concretiza.

Um dia, marquei um encontro com a Julianny, apesar de só nos encontrarmos ao acaso e sempre conversáramos sobre aquele mesmo assunto: uma poesia, uma sabedoriazinha, um livro que um dia íamos fazer - e com ilustrações coloríveis, esse era o critério: liberdade, liberdade, sempre...

Mas a Julianny ela partiu precocemente, avoou para céus os mais altos, longínquos demais para mim; isto quer dizer, para eu poder alcançá-la; mas, ainda dialogamos, os sinalizados dejavùs, as pistas que acontecem no destino, as jornadas de viajôr que por vezes é preciso empreender e vencer empecilhos; e ela sempre ali, sacrossanto prêmio, por vezes distante, por vezes próximo; nunca atingível, imaculado, pureza pura qual wodka.

Me pediram para evitar um pouco o jornalismo e escrever poesia, sendo que já não o sei mais; é muito difícil lembrar escansões, rimas, métricas, sandices parnasianistas, e etcoétera.
Prefiro a poesia das ruas, mundanas, sabidas, ensinamentos únicos e velozes; de relance, de revestrès.
Uma mensagem ficou na minha memória, lendo de trás p'ra frente: "maktub" - está escrito.
(porém, não é a melhor tradução, os árabes já o disseram; e eles, ah, êles me devem explicações e muito, muito mais.).

Para Karina, olhos de ressaquinha.
Uma beleza rara e verdadeira.
Uma jóia com acento.
A garota do batom, garoto!
A coca-cola zero verde da véspera.
Menina-Moça-Mulher (M³).

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Todo Tempo é tempo, nem todo Momento é momento

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Todo tempo é tempo:
de viver,
de sonhar,
de amar!

Todo momento é momento:
de sonhar,
de lutar,
de querer?

Há no tempo o momento,
onde mais haveria isto?
De escolher o momento
se não fosse no tempo?

No meio disto ou aquilo,
no tempo o momento,
que traz consigo sentido
e em sua ausência o vazio.

O Nada! A Náusea! O não-ser!
não há o Nada no tempo;
a náusea consome o momento;
e fora do tempo há o não-ser!

Se tens que tomar uma decisão
que te perturbe em tal existência,
aquilo que lhe retira tal sanidade
pare a mente, repense a precisão!

Não se sofre mais do que ao escolher;
E das dores de tomar tal feito
é melhor escolher teu momento
do que sofrer por perdê-lo.

Nem todo Momento é momento,
pois há muitos pensamentos:
dos pesadelos não nascidos,
dos sonhos recém jazidos.

Recubra-se! Erga-se!

Renasça em meio ao carvão recente;
a vida, esse sopro quente pulsante
que traz consigo o momento ardente
e a angústia da escolha latente!

Se queres uma resposta para o que te perturba,
diferenciar o tempo do momento e escolher
entre fazer e arrepender, não fazer e sofrer
Sinto muito por ser abrupto: não tenho tal resposta!

Aqui vivo o mesmo dilema tosco
de escolher entre tantos únicos momentos
ou deixá-lo passar em silêncio posto

Mas voltando a pensar novamente sobre aquilo
O melhor momento é aquele que pesa na balança
Que nasceu e marcou seu ser no tempo
Brilhou como sol, morto caiu, virou lembrança.

Hugo Barros

domingo, 28 de agosto de 2016

Jogar-se



Para Vanessa Ferry de Oliveira Soares 
   
Para nós e nossa união cósmica

Deuses deram as cartas:
Odu, horóscopo, sinestesia.
Antedisseram que faria parte 
Sermos um e uma na vida, todo dia.
     
Sonho  projetado se realiza
Em cada passo dado, objetivo cumprido.
 Amor abrigado fora das balizas
Batidas no peito forte, cheias de motivo.

O risco de viver a vida vira traço 
Contido num sorriso, num abraço,
Num cheiro de canto de boca, tuas linhas 

Viram partes nossas tão minhas
Olhos em encontro, expandindo 
Na nossa união, casal tão lindo!

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Ao pó tornarás

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Todo o homem
Toda a beleza
Ao pó tornarás
O tempo passou
E onde está a beleza?
As flores caíram
As flores morreram
Estão na verdade
Tornando ao pó
E embelezando
O chão que me sustenta

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Momento zero III


Estava a nossa frente Sofia, aquela que em vida, era a filha do Duque. Mais velha, mais forte, com a expressão marcada por um senso de disciplina, determinação e vigor. Embora seus olhos ainda demonstrassem aquela vontade de devorar o mundo. Aquela garotinha que era a representação da bondade, do bem real da Terra, viu o mundo e suas distorções, suas opressões em segundos. Duque mais uma vez em silêncio, embora fitasse sua filha concentradamente. Antes que eu pudesse quebrar a fala, Sofia se antecipará.

- Sim, Duque de Copas. Esta é quem era sua filha. A distorção do espaço e do tempo fez com que alguns anos passassem. A saída de Satan, que aconteceu aos nossos olhos, não aconteceu em poucos minutos, já se passaram anos, eras. Sua mente irá proporcionar tudo que você deu continuidade neste lugar, tudo o que você reproduziu e representa. E é por isso que essa insurreição de massas está aqui. Para por um fim nisso tudo. (...) Eu tinha compreensão na Terra do significado de minha essência, ou como descreveu Metatron, a expressão do bem da Terra. Mas essa alcunha está equivocada. O que chamam de bem, poderia ser muito melhor descrito como sentimento de justiça e de liberdade para o mundo. De certo que um tanto mais jovem, criança, com uma redoma de males e sangue me guardando, eu não tinha argumentos suficientes para questionar a ordem, o meu destino em nobreza, o mundo. Para cá fui enviada, ainda com a sensação de originalidade, como peça única. Qual não foi minha surpresa ao saber que tantas pessoas também carregavam essa vontade de construir um outro mundo. E olha no que refletiu nossas ações silenciosas e organizadoras. Estamos aqui a frente de Cocytus, para queda deste sistema.

- Você está bem falante Sofia de Copas ...

- Meu nome é Sofia de Spem. Não carrego a alcunha de quem tem o privilégio-mor desse sistema.

- Pois bem, Sofia Spem. E também nobre pensador. As lembranças desses 20 anos estão fluindo, embora tenhamos dados dois ou três passos nas escadarias do templo, vendo Satan e Metatron partirem. É um tanto cômico, um tanto perturbador lembrar de feitos que você não pode vivenciar. Quisera muito vivenciá-los, pois era exatamente dessa forma que eu seguiria a regência do Inferno. Realmente você não sabe Sofia, mas desde seu desenvolvimento, de sua capacidade quase como numa aura de transformar a realidade ao seu redor, já tinha ideia do que você representava e por isso mesmo mantive você sobre as rédeas dos muros de nosso palácio. Como o mundo iria lidar com tal conhecimento? Ora, bastava o que existia, nobre, humanos imundos, guerra e sangue. Não seria permitido para a humanidade ter outro destino. De lá eu já me sentia o senhor do Inferno, julgador de toda a raça putrefata que habitava feito praga o planeta. Nada mais sábio, nada mais lógico e correto está onde estou agora e conduzir estas pradarias com este sistema. Nenhum levante capenga será capaz de retroceder meu progresso.

Duque parecia não enxergar. Vociferava suas lamúrias e ofensas para Sofia, que mirava com desdém cada gesto ou palavra. A cegueira também dava conta do resultado do combate. Era visível quem irá triunfar. Por mais desgastados, mutilados e semi-mortos que pudessem parecer, toda trupe de humanos se revestiu da certeza da vitória, e lutavam com afinco e força esmagadora, derrotando tanto os humanos que se colocavam a favor do inferno, quanto as mais colossais aberrações demoníacas. Era uma questão de tempo. A massa tinha se organizado e se municiado bem para a ocasião. Até mesmo a distorção do espaço e do tempo fora estudada e bem utilizada para se escolher um momento exato. O sistema não era tão assim seguro e perfeito. Saberia Satan desses caminhos? Cada vez mais novas dúvidas surgiam. Meus pensamentos foram interrompidos pelo diálogo entre ex-pai e ex-filha.

- Não há motivo para continuar ouvindo ou especulando por uma rendição que não vai acontecer. Eu vim aqui para me certificar de que nada deve ser salvo, tudo deve ser eliminado para que possamos construir uma outra realidade. As proporções territoriais daqui são as mesmas da Terra. E aqui será o nosso lugar, o nosso novo lugar. E não há nada que possa ser feito pra mudar os rumos dessa história. Adeus.

- Não há tempo nem para um pequeno jogo de cartas Sofia? Observemos o resultado do jogo, enquanto jogamos este que com certeza será o último carteado entre a gente.

- Ora, acredita que irei suscitar a mesma história que Satan fazia por aqui. Desista, nada irá mudar o que está vindo.

- Nobre pensador! O que me diz disso tudo? Qual o caminho pra outras possibilidades?

- Creio eu, caro Duque, que chegamos no instante do caminho que não há retorno; estamos na fase irreversível de uma reação química. O que tiver de ser agora, será. Seu maior equívoco, penso, foi em não manter a sabedoria, o cuidado que era tão característico de sua personalidade. Ao alimentar-se do poderio do ser demônio, perder toda sua sagacidade e agiu com limitação, requentando velhas práticas. Um ponto isso iria estourar. Sinto muito.

- É verdade o que você fala Sócrates. E por isso ...

- Duque agarrou-se a Sofia e lançou-se para o meio do adro de Cocytus, exatamente o lugar do portal, que permanecia ativo (...) e nele sumiram ...

Poucos minutos, mais de 20 anos. No total, perde a noção de quanto havia passado. De tantos jogos que se sucederam, entre goles, convites no tempo e história para um chá de gengibre e coca. Meus escritos naquele lugar tinham chegado ao fim. Não um fim, finalista e encerrador de ideias. Mas tudo que poderia observar já havia sido documentado, refletido, absorvido. A condição humana de existência não pode ser estabelecida e vinculada com a própria auto-destruição. De certo que existem castas grupos que assim tocam os destinos. Consideravelmente quem está acima de um sistema hierarquizado. Onde morrem e sofrem gerações de pobres almas; muitas vezes sem pestanejar na caminhada burra;  muitas vezes guerreando e se destruindo entre si. Tudo isso mantendo um grande Leviatã, o mesmo culpado maior de toda estrutura opressora estabelecida. Mas a condição humana não se apregoa, nem genericamente, nem especificamente a isso. A grande história está retalhada de resistência e de vontade de viver em harmonia. Em nenhum momento, infelizmente, todo sistema foi abarcado de tal forma que caísse em escombros irreversíveis. Mas não distante esse caminho parecia-me. E de fato, lá estava eu testemunhando o que observara. Por muito tempo a misantropia era pra mim uma certeza irresoluta. Conceito refletido a partir da solidariedade e vontade de viver em um outro mundo verdadeiramente justo. Acabava minha estadia no Inferno. Os soldados já passavam sobre as escadarias de Giudecca. Sentei na velha cadeira que tantas vezes me provocou esperas homéricas. Um gole de chá, um suspiro profundo e uma certeza. Há outros mundos e minha sede de saber nunca se cessará. (...)

Uma semana? Uma hora havia se passado? Ou quem sabe 100 anos? O sistema ruirá, conselhos se formaram, para todos os lados ajuda e coletividade. Caminhei para o adro de Cocytus. E lá mergulhei para o infinito.

Sócrates

8


Vejo-me melhor em poemas do que
em fotografias alegres de domingos
falsos quando palavras fáceis soam
como a magia da flauta de Mársias.
Talvez sejam as lentes frágeis destes
velhos óculos quadrados que já não
servem para demonstrar minha face
mas apenas meus dizeres em versos.
Observo-te solitária e ofuscada pelo
tempo de parasselênio da saudade
azul daquele antigo amado bardo
que te escreveu em uma folha em
branco e que te queimou com uma
vela branca sem guardar tuas cinzas
em um pote ou jogá-las em um lago.
Reescrevo-me todas as noites antes
de me recolher aos meus aposentos
e costuro este coração com pedaços
de nomes de gente ou com linhas de
estrofes mudas de uma poesia escrita
por Rimbaud antes de sua partida.
Recordo-te pequena sobre a cama
sem ter o que falar nem o que ouvir
e lembro-me que compartir o silêncio
é o método mais sincero de se declarar
o amor conservado entre duas pessoas.
Beijo-te sem movimentar meus olhos
melancólicos como naquela tarde fria
de junho quando dormi no teu sofá duro
somente para te acompanhar ao teatro.
Estaremos dormindo quando ocorrer
o fim do Cosmos e apenas teremos
nossos membros por dentro da gente.
Morreremos em todas as frases escritas
e em todas as fotos guardadas em álbuns.
Seremos poeiras restantes do nosso universo.

(Laís Grass Possebon)

Arrebate


Repentinamente: um impulso.
Fim: recomeço.

Laìs Ha

Regresso: paradoxo temporal


J. disse precisar de um espaço subterrâneo. H. precisava de mais tempo. J. desceu os degraus até o sul. H. comprou duas caixas de medicamentos. Nos primeiros dias de outubro, as cores não surgiram como de costume no hemisfério sul. Nos dias seguintes, a cidade dormia em preto e branco. J. ainda estava no porão. H. quebrou todos os relógios que havia em casa. As calçadas do bairro eram cinzas. As árvores estavam secas. Ninguém compareceu ao funeral do prefeito. Alguns anos depois, sem marcadores de tempo, J. subiu os mesmos degraus, que o levaram ao sul, e saiu do recinto familiar sem dirigir suas pupilas a H. Ainda era outubro. Ainda não havia cor. H., que estava mergulhado em água com analgésico, se perguntava o horário. J. sentou-se em um banco cinza da praça negra. H. contava as facas e os garfos na cozinha. Alguns anos se passaram e não contaram o tempo. Outubro ainda doía. H. já tinha um filho. J. respondia por tentativa de homicídio. Numa tarde cinza, a cidade sem cor se viu coberta por um céu anil: J. foi absolvido. H. não precisava de remédios. D. completou onze meses de vida. Era setembro.

Laìs Ha

Amor: apocalipse redentor


O apocalipse havia começado e J. disse precisar novamente de um espaço subterrâneo. H. se cansara de subterfúgios. O diálogo foi contido. O sentimento estava tíbio. Não havia humanos vivos na cidade cinza. O vento chegara sem timidez. J. deixou Flaubert de lado. H. intentou uma farsa para afagar seu ego aborrecido pelo desamor de J. O abatimento se misturou com as rachaduras do chão nos dias apocalípticos. J. arranjara um sexo melhor para terminar sua existência terrena. H. não se conformava. J. poderia dividir seu corpo em dois e agradar H. e V. Um entenderia. Outro queria ser único. H. engendrou palavras de amor maquiavélico. J. ouvi-as em uma frase tragicômica. Negou-as. Deitou-se com V. No interior do tornado escatológico, H. cuspia seu amor em ódio. Amava até odiar, odiava até amar e não se perdoava por não deixar de amar. H. telefonou nos minutos finais com a intenção de humilhar J. H. não percebia que J. já sobrevivia entre uma cortina transparente de humilhação: J. não sabia amar por muito tempo. J. esperava encontrar seu amor redentor antes do final dos tempos. O tempo andava apressado demais para esperar pela redenção de J. H. perdia seu tempo tentando ferir seus amores criados. V. vivia sua leveza psicodélica fazendo cálculos e sujando suas mãos. Formou-se no céu um escrito em inglês (para ninguém ficar de fora): the end! J. correu oito quilômetros sem parar e, quando atingiu uma rua referta de árvores cinzas, avistou A. lendo Flaubert sob as folhas pretas. Escureceu.

Laìs Ha

Quando o vento sopra, é porque tá na hora


Olá, queridos e queridas!

Farei deste espaço um baú nostálgico onde a linha entre o real e o imaginário seja tão tênue quanto a que separa amor e ódio.

Não tenho objetivo nenhum senão o de compartilhar com vocês as coisas que se passam na minha cabeça, algumas fruto de minha vivência, outras de meu pensar. Espero que gostem e que também desgostem. O importante é não ficar parado e se expressar do jeito que desejar.

Bem, sem mais delongas, boa leitura!



Era por volta de quatro da tarde e o sol já começava a baixar de modo que vários pontos de sombra iam surgindo por detrás das casas, muros e construções inacabadas. Já dava para sentir o vento soprar e quando o vento sopra, é porque tá na hora.

– Hoje eu vou cortar e ainda vou arrastar! – pensei ambicioso. Minha mãe tinha saído para trabalhar e só voltaria à noite: tudo o que eu tinha de fazer era empinar no quintal de casa mesmo e entrar antes dela voltar.

Da sala de casa dava para ouvir os primeiros movimentos lá fora. Dava para reconhecer o som de pés descalços ou mal calçados caminhando e depois parando num ponto fixo. Estavam combinando algo…

– Estica a linha até o fim do campo. – alguém falou.

– Hey, deixa cerol pra mim também, o meu tá fraco! – resmungou o outro. Mal ouvi aquilo e já senti meu corpo tremer de excitação e ansiedade. Os adversários já se preparavam para a batalha de uma guerra que duraria por toda a minha juventude.

Corri para o quarto e peguei a minha pipa que estava escondida debaixo da cama. Era feita de seda em formato de “X” com as cores preto, amarelo e verde (lembrava um pouco a bandeira da Jamaica) e com um rabo de fita azul, feito de saco de lixo. O rabo estava meio embaraçado e eu até pensei em desembaraçar, mas mudei de ideia. “Melhor fazer isso só na hora de amarrar a linha”, pensei comigo mesmo. De dentro do cesto de roupa suja, tirei o meu tubo de linha. Era um tubo misto de linha nova e velha, todo sujo, mas que dava para o gasto (quando o tubo de alguém era misturado, a gente costumava implicar com essa pessoa trocando a palavra “Metros” por “Nó”. Se o tubo era de 400m, por exemplo, a gente chamava de “tubo de 400 nó”).

Voltei para a sala com a pipa e a linha e deixei-as sobre o sofá. Coloquei a chave na porta, mas minha mão tremia de ansiedade e quase não consegui abrir. E quando pensei que já tinha acabado, o abrir da porta revelou a grade externa, cujos dois cadeados eu também teria de abrir.

Ao passar pela porta, senti o mundo à minha volta: capim para quase todo lado intercalado por pistas e calçamentos. Sons distantes de carros e motos misturados ao de alguma casa tocando reggae faziam a trilha sonora daquela tarde. Era o mundo me dizendo “e aí, muleke, tá pronto?”… E aquele mundo se chama Santa Maria.

Eufórico, eu já conseguia sentir o cheiro da disputa pairando pelo ar. Era um cheiro singular que misturava capim, cola branca e de madeira (essa última fede pra caramba), papel de seda amassado e tala de coco (madeira que se usa para construir o esqueleto da pipa).

Corri vuado pro quintal para pegar o potinho de cerol, o qual eu escondia numa fenda da pia que ficava lá fora. Balancei o potinho e senti que o pó do vidro estava muito grosso, concentrado. Adicionei, então, um pouco de água à poção mágica para diluir melhor o pó do vidro até sentir que a concentração estivesse equilibrada, então entrei em casa para pegar o tubo.

  Como o quintal de casa era pequeno, tive de esticar a linha dando várias voltas, prendendo cada volta em alguma ponta de cimento que ia encontrando por entre os tijolos do muro. Alguns pontos iam quebrando e derrubando a linha no chão. Então eu ia amarrando em pontos mais firmes e tomando cuidado para não deixar cair novamente, pois se isso ocorresse com a linha encerada, ia sujar toda de terra… E qualquer empinador que se preze sabe bem que cerol sujo de terra só dá numa coisa: pipa indo embora.

Linha esticada, comecei a passar o cerol. Com cuidado, fui passando a poção e observando bem para não deixar ficar grossa. Se o cerol for grosso demais, a linha pesa e dificulta as empinadas; se ficar muito fino, o cerol não aguenta mais do que um corte. Tem de estar no meio termo, bem passado e bem seco. É o que a gente chama de “linha de faca”.

Mal acabei de passar o cerol, meus olhos se encheram de brilho ao ver a primeira pipa subir. Não devia ter nem uns 3 palmos de tamanho, mas era de seda e tinha um formato legal, uma cruz vermelha de fundo branco. Perguntei-me se quem encobriu aquela pipa quis homenagear a Inglaterra ou se foi somente por fazer mesmo (era ano de copa do mundo e nessa época a gente costumava fazer pipas de acordo com a bandeira da seleção dos jogadores preferidos).

Mal subiu a primeira pipa, a segunda alçou voo. Devia ter uns 3 palmos de tamanho, feita de seda num formato “bandeira da Austrália” e tinha um rabo enorme. “Aí sim, rapaz! Isso é que é, máquina”, xavequei. Era tão grande e robusta que quando o seu dono a empinava, dava para ouvir o som do atrito da seda e das fitas do rabo com o ar. Era uma bicha lindona, óh!

Mais pipas começaram a subir e aos poucos o azul do céu foi ficando colorido, o que me fez lembrar de me apressar para subir a minha também e cortar geral (nisso eu já tinha abandonado a meta de entrar pra casa antes da minha mãe chegar, queria apenas empinar e aproveitar aquele momento, mesmo que me custasse uma surra, um castigo ou os dois). Corri à pia para lavar o cerol restante das minhas mãos, pois a cola já estava começando a secar na minha pele.

Lavei-me às pressas de modo que ainda dava para sentir vestígios de cola por entre meus dedos e unhas, mas a batalha já havia começado e isso já não importava. Naquele momento, eu não era mais uma simples criança: era um guerreiro duro o suficiente para suportar os cortes nos dedos causados pelo cerol, machucados nos pés causados pelas topadas e até o sol escaldante sobre a pele nua das costas magras (essa dureza toda só resistia até a hora do banho, porque quando a água batia na ferida, doía pra caramba!).

Olhando pro céu, comecei a pensar que cada pipa era como um dragão e o meu estava prestes a subir também. Éramos cavalheiros templários em busca de uma emoção que fizesse tudo aquilo valer à pena. E como fazia… Éramos garotos e garotas sem passado e sem futuro, filhos diletos do presente e da infinidade criativa de um mundo infantil.

Voltei para checar a linha, passando os dedos em formato de pinça para ver se o cerol já tinha secado. Não somente já estava seco como tinha ficado bacana!

O grande momento havia chegado.

Na batalha das pipas você tem de ser bom empinando, mas tem de ser melhor ainda correndo, porque caso a sua seja cortada, dependendo do vento e da distancia que a pipa está, dá para correr atrás dela e pegar de volta.

No céu, mais pipas começavam a aparecer e os primeiros cortes a ser colocados. A cada vez que uma pipa ia embora, alguém gritava lá fora “ow, trisca!!!”, “Dian, nem sentiu!”, “Toma, tisga véia”. Dava para ouvir os gritos e sons de varas de bambu se chocando na luta acirrada para pegar as pipas antes mesmo delas caírem no chão.

Uma pipa é muito mais do que uma pipa. É um depósito voador de esperança.

Correr atrás de uma pipa é uma loucura. São frações de segundos onde nada mais importa senão ter aquela pipa em mãos. Você dá tudo de si e no fim, mesmo sem a pipa, resta o coração acelerado, o corpo suado e o calor no peito. É rajada de morfina no sangue de quem nem começou a estudar ciências ou biologia (e que talvez nunca venha a estudar, no caso daqueles que conheceram o trabalho antes dos livros, quando não o crime).

À beira de uma explosão de ansiedade, voltei correndo para dentro de casa e peguei a pipa. Segurei-a pelo cabresto e já ia me preparando para correr novamente para o quintal, quando tropecei no rabo embaraçado da pipa e desabei por cima dela.

Houve um estalo, depois apenas silêncio.

Marcus Sousa

Ver também em: Quando o vento sopra, é porque tá na hora

Como fazer pipas

Os olhos do autor


Apreciar a obra prima
 Sentir a sua arte, saboreá-la
 Depois de contemplar os olhos do autor
 Não decifrá-la, não questioná-la
 Sofrer, chorar, amar, gritar
 Depois de contemplar os olhos do autor
 Será possível?
 Não desabar, manter o equilíbrio
 Depois de contemplar os olhos do autor
 Degustar as palavras declamadas
 Sentir o gosto escorrendo na garganta
 Depois de contemplar os olhos do autor
 Contando-me todas as mentiras
 Ao pronunciar somente verdades
 Depois de contemplar os olhos do autor
 Eis o maior desafio
 Os olhos do autor

 Amanda Vaz

Se não for viagem não vale a pena


A pé, de carro, caminhão, ônibus ou avião
 Seja a carona na calda de um cometa
 Na velocidade do pensamento
 Seja um livro
 Uma pessoa
 Um amor
 Uma amizade
 Um pensamento, uma ideia
 Sexo
 ou Goiaba
 Seja viajar no azul, na praia de Boa Viagem
Se não for viagem não vale a pena!!!

Amanda Vaz

A gente se apaixona pelo oceano
 Sem medir as consequências
 Nos esquecemos que
 Todos os rios deságuam lá
 Mas é que essa história de ser lago
 Simplesmente não dá pra encarar
Eu às vezes sinto que estou desbotando, mas se eu virar parede branca, poderei servir de tela, para o florescimento de novas artes!
O problema com o vício
 É que as pequenas doses
 Que antes te satisfaziam
 Passam a não satisfazer mais
 A vontade aumenta
 O desejo te consome
 Até que você por fim resolve
 Ir morar junto!

 Amanda Vaz

Ciclo da vida

Arte, menina, ônibus, solidão Vetor

Estava eu voltando da universidade mal aconchegado na janela de um 365 – vulgo Amarelão ou Circular II – e pensando nas coisas que a gente só pensa quando está na janela de um bus ou sentado na privada do banheiro de casa. Os pensamentos iam e vinham bem como os cheiros e sons dentro daquele ônibus lotado de gente lotada de gente e lutando para ser gente…

Pensava na vida e na morte, nos excessos e nas carências.

Pensava nos porquês da vida: porque, por que, porquê e por quê – nossa língua não é para amadores.

No meu celular estreava o disco “O milagre dos peixes”, do Milton Nascimento com a participação da divindade Naná Vasconcelos.

Álbum visceral, cheio de sonoplastia e de efeitos de mixagem, como o fato dos sons ficarem variando entre um fone e o outro, dando a sensação de que a música atravessa a cabeça. Ecos, gritos, queixas, assobios, gemidos… É uma mistura de contemplação com angústia e melancolia.

Cada faixa era – e ainda é – uma liga metálica conduzindo as infindas energias presentes na obra até a carne do meu espírito.

Então me veio a ideia de escrever, ainda dentro do ônibus, alguma coisa. Qualquer coisa que fosse, porém, imaginando o próprio Milton cantando e Naná musicando…

E deu nisso que agora compartilho com vocês.

PS: logo abaixo do texto está o link de uma música em especial desse álbum, “A chamada”. Recomendo ouvi-la enquanto estiver lendo.



“A gente morre o tempo todo

Enquanto tenta matar o tempo

A todo instante, todo momento

Quando percebe, já está morto



E todo dia, morre um sonho

Um sentimento, matam a fome

Morre a saudade no aperto

De um abraço



Morre o jovem no aperto de um gatilho

Vão-se os trens, ficam os trilhos

Todo dia é dia de morrer



A gente nasce o tempo todo

Enquanto tenta morrer pra sempre

A todo instante, todo momento

Quando percebe, nasceu



E todo dia, nasce um sonho

Um sentimento, nasce uma fome

Nasce a saudade na falta

De um abraço



Nasce o jovem no aperto do gatilho

Voltam os trens por outros trilhos

Todo dia é dia de nascer

A gente morre o tempo todo

Enquanto tenta nascer pra sempre

A todo instante, todo momento

Quando percebe, já morreu



E todo dia, nasce um sonho

Um sentimento, matam a fome

Nasce a saudade no aperto

De um abraço



Morre o jovem no aperto de um gatilho

Ficam-se os trens, se vão os trilhos

Toda morte é feita para nascer”


Todo mundo é assassino por conveniência, matando o tempo por sobrevivência.


Marcus Sousa

Ver também em: Ciclo da vida



quinta-feira, 23 de junho de 2016

Sagrado: jornada de luz


A. escrevia centenas de artigos para atingir um antigo anseio. J. lia diversos livros ao mesmo tempo e se via no meio de uma multidão de seres escritos. A. e J. navegavam juntos. No interior de um barco furado, sonhavam imagens matizadas e engendravam uma nova terra para chamarem de lar. Enquanto a água atulhava o pequeno barco, os dois se amavam nos detalhes. A. cobria seus olhos claros com lentes embaçadas. J. mostrava seu olhar castanho através de lentes limpas e grossas. Sem toques. Sem vozes. Só vistas. Olhares se confundiam. J. e A. deixavam suas portas abertas e trocavam seus desejos por acordes de luz. Meditavam: amados. Descobriram o caminho e iniciaram a jornada de redenção. Dormiram anjos. Repousaram cosmos. Despertaram sagrados.

Laìs Ha

Visão púrpura: quando Orfeu reencontrou
Eurídice nos Campos Elísios;
quando Eurídice devolveu a
Orfeu o olhar que ele havia perdido

Laís Grass Possebon

White Curd


This is the green horizon
This is the gray sky
This is my sad song
But it’s a perfect afternoon
Just this horizon
Just this sky
Just the white bird
And the white curd
Just me
My last sad song
This is the green horizon
This is the gray sky
This is my sad song
This song is for the lonely boys
For the lonely girls
For the single mother
No father
This is the green horizon
This is the gray sky
This is my sad song
This is my song for my strangers
My loved ones
My poet
Who died for poetry
My last sad song
To my mother
Mother Earth and to the Universe
And more, and more, more
Just this sky
Just the white bird
And the white curd
So sad

Laís Grass Possebon

White curd

CORRUPOLÍTICA


O Brasil está à deriva
Num mar de corrupção,
Vivendo uma tempestade
Em toda a federação,
Com os políticos que tem
Da Câmara de vereadores
Ao Congresso Nacional,
É grande a pirataria
Que aumenta a cada dia,
Se isso é democracia,
"Credo em cruz, ave-maria"!
Endêmica patifaria,
Nunca se viu nada igual,
Ganha até da monarquia;
Deputado e senador
Já têm título de doutor,
Alguns com PhD.
O Príncipe de Maquiavel
Virou carta de A, b, C;
O clube da corrupção
Está em todo rincão
Cuidando dos afazeres,
A matriz tem o comando
Na Praça dos Três Poderes.

Messias Freitas



Messias Freitas

Conectados


Todos os limites são frágeis
 Todas as linhas são tênues demais
 Para distinguir o meu corpo do teu
 As mãos unidas e espalmadas
 Entrelaçam bem mais que dedos
 Anseios e planos estão misturados
 Neste emaranhado de corpos e cabelos
 Os olhares trocados
 Agora enxergam a alma
 Os sorrisos aquecem os desejos
 Planos são mesclados ao sabor dos prazeres
 Um balé de braços, abraços e cavalgadas
 Regido pelo ritmo ofegante de nossas respirações
 Sonhos orquestrados pela insaciável tentação
 A vontade de te consumir
 Guardá-lo em mim, até que em fim
 Eu já não possa resistir
 E tenhamos que admitir
 Atrelar minha existência a ti
 Uma mistura homogênea e indecifrável
 Eu não consigo relutar
 Já não é possível separar você de mim

Amanda Vaz

Perdão


Perdoe-me
 Mil desculpas
 Não pude evitar
 Tentei resistir
 Eu quis relutar
 Não consegui
 Lutar foi impossível
 Tive que admitir
 Eu já não consigo
 Negar isso assim
 Eu sei que é obvio
 Mas nem sempre
 Foi assim
 Esconder foi preciso
 Ocultar, calar, encobrir
 Não posso mais
 Dissimular
 Cansei de encobertar
 Tive que gritar
 Acabou por extravasar
 Hora ou outra
 Iria se revelar
 O meu segrego
 Eu quero e preciso
 Ter você só pra mim

 Amanda Vaz

Teus lábios


Todos os limites são frágeis
 Todas as barreiras sutis detalhes
 Para separar a minha pele dos teus lábios
 Linhas simetricamente esculpidas
 Exuberância e serenidade personificadas em beleza
 Força e delicadeza na precisão de um traçado
 Esculpidos para despertar o desejo
 Para violar a carne
 Sem que esta ofereça mera resistência
 Jamais outros lábios foram desenhados dessa forma
 Fazendo emergir a libido mais adormecida
 Completamente entregue aos seus encantos
 A Harmoniosa perfeição dos teus lábios
 Envolvida pela sensualidade abrasadora do teu sorriso
 O catalisador que traz a tona um calor incendiário
 Um sorriso capaz de iluminar tão intimamente
 A ponto de tornar submissa e prisioneira a alma
 Quero sentir o meu gosto marcado em tua boca
 Servir de degustação para os teus caprichos
 Jamais cobicei tão intensamente
 Ter o néctar do meu corpo absorvido
 E só por uma vez ao menos
 Morrer por cinco segundos
 Após o ato final de amor
 Em teus lábios

Amanda Vaz

Ícaro


Há algo que me atormenta
 Um conflito arde em mim
 Cobiçou tão densamente violar a liberdade
 Que ousara deixar o panteão dos deuses?
 Vieste degustar os prazeres dos mortais
 Entregue nos braços da invenção
 Tua capacidade criativa é seduzida pela jovialidade
 Acaso não sabes que a cera pode derreter?
 Saltaste para um voo mortal
 Tua beleza é de tal afronta para o sol
 Que sentindo-se ofuscado
 Ele o tragaria para si
 Ou talvez tenha despertado
 A paixão abrasadora e fatal das ondas do mar
 Tão irresistível és Ícaro, que
 Nem mesmo o mar contentara-se em contemplar-te
 A contemplação não seria uma opção tolerável
 Consumir a tua carne seria o desejo mais palpável

Amanda Vaz

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Tua voz


Para prender minha atenção
 As palavras
 Nada me seduz mais
 Que as palavras
 A chave para o meu desejo
 Apenas as palavras
 Cada vírgula será apreciada
Para despertar minha libido
 O intelecto
 A porta para os meus delírios
 Apenas o intelecto
 Jamais tive os meus desejos cativados
 Se não, pelo intelecto
 Eis o caminho para desvendar meus segredos
Para veicular teus pensamentos
 A voz
 Nada transmite melhor um discurso
 Que a voz
 Abalando as minhas estruturas
 A tua voz
 A mesma frequência das minhas veias e artérias
Todas as vezes que eu preciso fugir
 Do caos desenfreado
 Da minha rotina agitada
 Somente a tua voz é capaz
 De me oferecer abrigo
 A sua voz é o meu refugio
 O seu timbre me acalma
 O seu tom é a melodia perfeita
 Faz vibrar a minha alma

 Amanda Vaz

Tentativas em vão


Ohh, meu amor
 Queira perdoar-me
 Eu juro que tentei
 Me encantar por outras faces
 Joguei minha garrafa ao mar
 Dentro uma carta desendereçada
 Gritei os meus versos
 Proferi o meu discurso
 E declamei os meus delirios
 E eis que ouviram o meu chamado
 Atenderam as minhas suplicas
 E fui acolhida, mas não eenvolvida
 Belezas exuberantes contemplei
 Musicos inigualaveis
 Poetas insuperaveis
 Hippies leves, como folhas ao vvento
 E magníficas amizades
 Físicos, astronomos e matemáticos
 Compartilhei ideias
 Me conectei a outros pensamentos
 Deixei-me contagiar por um intelecto
 Na esperança de apaixonar-me
 Dividir esse fado que há muito
 Joguei em teus braços
 Triste ilusão
 Tentativas em vão
 Vi definhar os meus devaneios
 Não consegui convencer-me
 Por melhor que fossem
 Os meus ricos argumentos
 Todos eles meu amor
 Eram apenas fragmentos de ti
 Entregue as duvidas
 E completamente dividida
 Entre saborear o amor inteiro
 De um ser que não é a metade
 Ou abocanhar as migalhas
 Do teu universo ilimitado
 Novamente aqui estou
 E todas as vezes que eu jurei
 Não acreditar
 Foi apenas para ficar
 Todas as vezes que declarei
 Não quero sonhar
 Foi apenas para suportar
 Quando eu disse não posso
 Vou ter que te cortar
 Foi para que pudesse entender
 Que eu tentei, me esforcei
 Fiz de tudo, mas cansei
 Eu até consigo raciocinar
 Mas já não é possivel negar
 O meu amor é somente você

 Amanda Vaz

Novo vício


Desejo novos vícios
 Novas obsessões
 Perder o fôlego e os sentidos
 Estar entorpecida
 Fugir a realidade
 Experimentar a embriaguez
 Consumir e degustar cada dose
 Beber o conteúdo inteiro
 Ficar dependente
 Me entregar
 Antes que eu já não consiga
 Curar-me de você!

 Amanda Vaz

venta, paco


aqui não chega o mar
e de você já não há ar
venta lá fora
é cinza agora
choveu no adeus
estranho silente sonoro
na pele o sagrado sentir
sentido que fere
na nuca ainda há
o cheiro do mar
no inverno
aqui não chega o mar
e de você já não há ar
amor
sua pele
você vai
além

laís grass possebon




nosso elo
amarelo
choveu
no adeus

Laís Grass Possebon

Mar e Ana


há um mar imenso
à frente de ana
que atravessa
inteiro
o meu eixo e que
me deixa sem
entender
ao amar intenso
à frente do tempo
de mar e ana
se em um mês
completo
não percebo o vento
que passa e vê
talvez eu seja
mesmo
viciada em você

Laís Grass Possebon

Caos Eterno

terça-feira, 21 de junho de 2016

Um dia faltou olhos, mas a mídia televisionava em Braille


Não se falta nada nas coisas cotidianas das mídias televisivas
É um belo cotidiano de formidáveis faltas
Falta sapatos, mas não é noticiado
Falta comida, mas isso não é problema
Falta emprego, mas não é anunciado
Falta água, mas isso não é importante
Falta roupas, mas nada disso importa
Falta medicamentos, e isso as vezes até é televisionado, dependendo do interesse da falta
Um dia, num belo cotidiano de coisas que faltam na humanidade simplesmente eclodiu das fontes televisivas
Faltava amor
E simplesmente um surto se alastrou vorazmente.
As televisões atônitas resolveram notificar sua falta
e a manchete do jornal das 9 foi a seguinte:

Pavel

Momento zero II


A luz intensa, os pés descalços no frio inverno eterno do inferno. As massas energizadas, resolutas, adelante. Metatron trocava palavras suaves com Satan.

- Então você não tinha ideia que isso aconteceria Satan? O que diabos você estava fazendo aqui esse tempo todo? Comete um erro banal como esse! Nosso plano não funcionará pois nós não sairemos daqui.

- Metatron você está assim tão ansioso? Tão temeroso que não conseguiremos dar conta de Deus e seus asseclas? Acredita mesmo que o nosso maior problema é lidar com essa massa bestial? Como disse ao nobre pensador, sabia sim de pequenas reuniões. Sei da presença enorme de agitadores que cá estão por eras a fio, sem palavrear ou discursar, apenas saboreando o limite da dor e agonia, desejando morrer, mas já estando mortos. Cada castigo imputado a mais era a precaução para que não houvesse possibilidade de falhas como esta.

- E então ao que você atribui isso? Estão organizados. Com armas rudimentares, tochas de fogo, um semblante desbravador e de irreversibilidade. O que você não fez que permitiu a leva desses moribundos se articular e se colocar diante de nós com tamanha energia?

Satan, um ser que jamais compreendi, ou talvez o entendera por demais. Ele torna a simplicidade complexa. Ele faz da complexidade algo simples. Parece ter a onipresença, a clareza das coisas e de tudo que está ao seu redor, mas joga, instiga e semeia a dúvida de que não está a par de tudo. De uma forma que, não sabemos até onde estamos imergidos na sua habitual diversão de controle de destinos. Ele mantinha o mesmo semblante. O mesmo sorriso sarcástico, a mesma fala serena, mas também macabra, pelo tom de voz próprio do demônio. E com a mesma 'leveza', respondia:

- Realmente Metatron, há uma coisa que eu não pude antecipar. Por pura subestimação ou por estar tão envolto nos sentimentos de tortura, meu deleite, passatempo que tinha por aqui. A capacidade de compreensão da dor do outro e a motivação para suprimir essa dor. Isso é até engraçado. Nós, objetivamente sempre olhamos para essas reles existências como seres com um final bem definido. Eles se matam, eles governam uns aos outros, criam estruturas podres desde o início e exaltam as mesmas, exalam uma cultura pobre, hierarquizada, divididora, fraca e completamente assassina. Não haveria outro fim para esta raça. Nós, que possuímos o poder de previsão, não pestanejamos em resenhar esse caminho. Nossa existência primeira passa pela ordem desse caminho. Quando tentamos aconselhar e quando julgamos cada um destes párias. Era resoluta nossa ideia de imperfeição. Não digo que isso é sinal de perfeição, mas idealizei tanto a lama da destruição que eles mesmos se jogam e se lambuzam, que não poderia imaginar; digo, até imaginava, mas talvez não num agora. Conceber tal possibilidade, nas condições em que eles se jogam e que nós os deixamos, era de tal maneira impossível. Muito engraçado. Porém ...

- Porém? O que? Você confessa sua falha de observação que pode por em jogo todo nosso plano, toda a nossa peleja em chegar esse momento de desnivelar a força daqui com a da armada que ainda guarnece Zion e Aldebaran. Como há um porém, como há um semblante de vitória e de pouco interesse nesse levante por sua parte? O que ainda tem guardado Satan?

- Não saber que isso aconteceria neste momento, não significa dizer que não tinha me preparado para tanto. Ou porque estaríamos nessa partida? Nós não precisamos participar da fúria da humanidade consigo mesma. A humanidade que se vire. Não há justificativa para que eles não possam se destruir ou se resolver. Ou caminham para um outro horizonte, ou repetem aqui aquilo que têm reproduzido na Terra.

- O quê? Então jogaste um humano para ser sacrificado pela massa, juntamente com os teus antigos servos? Por que isso caberia e daria uma chance para nós não nos envolvermos na batalha que surge?

- Mas pra quê se envolver numa batalha que nada nos diz respeito?

- Ora, mas aqui são seus domínios! A fúria é contra você!

- São meus domínios? Por um acaso aquele é o regente do inferno. Um humano. Representa exatamente as forças opressoras da existência do mundo real deles. A fúria é particular? Não, a fúria é contra toda estrutura. Não era desde o início de seu objetivo findar com esse mundo, como forma de mascarar nossos movimentos para caminharmos à espreita dos fatos? Metatron, agora você me surpreende com tamanha ingenuidade.

Satan elaborou tudo, sem saber se tudo aquilo iria acontecer. Mas sempre se preocupou em colocar um plano escape, algo que não atrapalhasse seus planos originais. Planos? Qual seriam na verdade? Essa aliança com o General dos Anjos, a busca pela conquista de Zion e Aldebaran não me parecia lógica para alguém que já era senhor de terras infinitas que causavam tanto prazer ao seu regente. Isso não dava abertura para achismos. Eu ponderei muito nas minhas observações, mas uma organização das pessoas do inferno me parecia algo inevitável. Mas saber o que passava na cabeça de Satan para não balançar em nenhum momento instigava-me mais e mais. Naquele instante muito mais que o motivo que me levara a morar no inferno. Não resisti:

- Satan! Isso é ilógico não acha? Não digo que você perderia a batalha, não sabemos ao certo as táticas dessa massa que chega irá utilizar. Temos ideias é verdade, mas nada com certeza. Mas isso não é motivador suficiente para que o senhor destas terras fuja, corra como se já tivesse perdido uma guerra sem lutar. Nem mesmo encontro lógica nessa caminhada para conquistar outras terras. O que você realmente está pretendendo? Apagar sua existência? Ela não faz sentido? É vazia por completo? O que me diz então? A cartada final é essa jogada pífia? Pra onde vai essa aliança, pra onde vai toda sabedoria?

- Nobre pensador ... desconfiava que tinha recuperado sua humanidade. Sente essa força e razão característica, única de vocês? Nós não a temos. Nem conseguimos produzir. Há naquelas massas uma disciplina, uma energia coletiva fortíssima que nunca conseguiríamos sintetizar com perfeição. Somos seres perfeitos, indeléveis. Mas quaisquer manifestação nossa de virtudes ou sentimentos não é genuína, é apenas perfeita.

- Mas você rompeu com esse estigma criado em sua gênese.

- Sim, mas de forma perfeita. Nunca da forma humana. E isso não se trata de invejar a existência destes abjetos, nunca será por isso. O plano de perfeição tem suas nuances sobre o que vocês entendem ou buscam em perfeição. Ele permite a queda, o erro, o sentir. Tal qual como fiz e por várias vezes fostes testemunha. Mas embora haja a permissão, as virtudes de perfeição coíbem as possíveis margens de falha e trabalha no sentido de retomar ao equilíbrio. E é exatamente isso que tira todo prazer da coisa.

- Então tudo isso é porque queres poder errar?

- Não, quero fissurar as estruturas tomadas como sólidas dessa existência. O engraçado é isso. Há entre minha vontade e a vontade daquela massa, proximidade. Que vocês se resolvam nobre pensador!

- Espere aí Satan, isso não tem nada a ver com a nossa aliança. Como assim você não quer tomar o poder?

- Metatron, só você não enxerga o ciclo eterno que isso leva. Vou bagunçar algumas coisas sim. Não pelo poder puro, mas para poder ver mais sangue.

- O quê? Eu não consigo compreender!

- Não culpem ao Diabo, Sócrates.

Satan mergulha num portal. Metatron ainda um tanto atônito, como se baqueado por um golpe certeiro, titubeia por uns instantes, mas segue, junto com a armada alada e um sem número de demônios. Mais atrás, começam os urros na luta de humanos contra humanos e demônios, agora servos do Duque de Copas. Este, em silêncio diante de todos os últimos atos. Mas de pé. E com um sorriso cadavérico. Em poucos instantes, o silenciar é quebrado.

- Previstes isso tudo nobre pensador. Sei que não para agora, mas sabia que isso era uma realidade possível. Será que pelos mesmos motivos que eu?

- Acredito que você se mantem irredutível sobre a condição humana e pensa que a guerra ali embaixo é consequência da sede insaciável da humanidade em guerrear, dividir, submeter seus pares a uma situação de ultraje, de tortura e de morte. É isso?

- Exatamente. Não há nenhum outro caminho ou outro tipo de organização no futuro dessa corja. Não é assim que está gravado em seus papiros?

- Duque ... você vai perder essa guerra.

Num estalo, Sofia se coloca diante de nós ...


Sócrates jogando poker em Cocytus sem Satan

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Momento zero I


Satan e Metatron retornaram seus olhares para trás. O Duque de Copas, ou o que poderia se chamar dele, mais próximo de um 'Neo Satan', e eu, estávamos mais afastados, porém acompanhamos o movimento de retorno. A luz naquele exato instante estava bem forte. O inferno tem seus espaços de fogo e lava, mas muito longe das pradarias que nos encontrávamos. As trevas e o frio eram quase tudo na esfera de Cocytus. Mas a luz, que parecia o resplandecer da armada celeste, ficava mais intensa, parecia movimentar-se, próxima e mais próxima. Pouco a pouco a luz se desvendou em chamas: tochas e fogueiras feitas pelas milhões de pessoas que se localizavam no inferno e caminhavam para a entrada do palácio de Cocytus.

O inferno sempre fora bastante povoado, com algumas leis universais que só traduziam a vontade de carnificina e diversão do seu regente. Sempre foi um coletivo de pavor, terror e medo. Humanos não andavam lado a lado, eram sempre divididos, dilacerados, sempre com tensão pelo pior. Até porque conviveriam com a estigma do castigo mais ardiloso e bem pensado pelos agentes do mundo inferior. Aqueles que conseguiam permissões para algum tipo de função, já estavam no mesmo caminho de transformação do Duque de Copas. Mas ali se expressava um fenômeno único, peculiar, jamais visto naquele lugar. Algo que poderia reverter a onda de terror imputada à humanidade, para aqueles que as ordenavam. Satan, no entanto, não se espantava; sequer mudou sua expressão, nem seu tino de sarcasmo:

- Ora, ora. Pelo que vejo, conseguimos mais que adestrar as bestas pecadoras. Grande sábio, por acaso sabe o que é essa romaria? Sabe qual motivo leviano esses seres sem quaisquer inteligência estão a fazer andando como correntes estendidas? Não me conte uma piada sem graça dizendo que é um motim.

- Bem Satan, confesso que nada soube de nenhuma organização para esse intento. Mas não tenho os olhos voltados para cada pedaço de pedra e fogo deste lugar. Espanta-me não saberdes o que está acontecendo. Julga que são bestas, mas estas bestas agora te surpreendes.

- Ora nobre pensador, evidente que conheço  as tais reuniões secretas, de ponta a ponta desse lugar. Coisas de três ou quatro infortunados que sonhavam mais alto que o próprio Deus. Algo irrelevante. E sabiamente lembrado em cada chibatada e açoite. E também conheço o seu olhar, que não tem alcance ou poder como o nosso, mas que não é de forma alguma inexperiente. Lembre-se do porquê de estar aqui.

-  Você sempre me tomou de maneira difusa Satan. Mas sei sim o motivo principal que para cá me trouxe. Para elaborar exatamente os que seus sentidos precisos e objetivos não pudessem captar neste espaço, nas relações e sobre o intrínseco das pessoas.

- E eu sei que é exatamente isso que vocês está fazendo a procurar por algo perdido em seus papiros.

- Mais uma vez, certo.

- Então vamos ver até onde o que você viu e registrou se materializará.


Sócrates jogando poker em Cocytus com Satan

Topor*

Les masochistes de Roland Topor

Topor:
Meu passo,
na suavidade do raso, aprofundo-me na dor.

O meu maior sentimento,
no afã da vivência veraz,
é sangue na primeira expressão de ardor

A chama silencia,
cria mas destrói, ama mas corrói,
tanto queria o mundo, quanto esquecer de amor

André Café


*Roland Topor (Paris, 7 de janeiro de 1938 — Paris, 16 de abril de 1997) foi um pintor, escritor e ator francês, conhecido pela natureza surrealista de seu trabalho. Ele era descendente de judeus poloneses que se refugiaram na França fugindo do nazismo.



Coletiva verdade solidão


Sustentar, pra ver se voa.
mesmo de asas novas,
ou cicatrizes no passado

Será que o salto esquecerá as saudades?
Hoje é segunda, parece impossível
que qualquer altura apague o tempo

Coletiva verdade solidão;
,o frio apagador do peito,
na ânsia de uma febre forte,
que expanda, ao invés de limitar

André Café

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Pleura peculiar, poesia paulatina aprisionada

“Les Masochistes” by the Magnificent Roland Topor

Posso ou passo, peço permissão?
Mas, me permite a possibilidade de pedir perdão,
aos poucos pares de ímpares perfeições.

Meu risco danado da escrita imperfeiçoou
a derradeira tentativa de trazer o verso puro,
escuro, turvo, buraco-negro do etéreo

Ah, poesia que escapole da minha cognição,
me faz engolir minha audácia, me cala
me santifica e me permite praguejar: perdão

Pau e pedra pelo crime, paladar silenciado,
pra poder pirar no prumo da peleja poética,
a ética não pondera qualquer palavrão

Palavrinha, palavreado dado, cadeado,
quieta sublime insistência poesia,
talvez num próximo dia,
a gente possa papear um bocado

André Café

De quando louva-a-deus grená surgiu


Uma carta como forma de entrada,
um aviso de despedida para este mundo
queremos nós a presença da saída?

As palavras serraram as correntes dos olhos,
e a explosão de significados se fez certeza
queremos nós o caminho da saída?

O expresso louva-a-deus grená a espreita,
surgirá para quem almeja o além
queremos nós a saída do caminho?

Voa e me leva sábio ser
o anoitecer despertará o sabor de seguir
e sumir e sorver a plenitude da existência

André Café

Para barrinha, para cidade


Natureza que clama retorno urgente,
rotina que arranca o tato do peito,
passo pesado no chão que nem sente,
tempo progresso que não tem mais jeito

Pedra de seixo, mergulho de rio,
os pés respirando na terra molhada,
a lua convite pra noite estrelada,
Leveza e harmonia por horas a fio

Tuas filhas e filhos no árduo resistem,
enquanto o tempo suplica um final,
cidade seguindo um tratado triste,
no aguardo do caos programado fatal

Aurora, aroma, real desafio,
pro disco voador fazer de chegada,
com alma aquecida na fita encarnada
segundo infinito de bom arrepio

André Café

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Analítica de Sócrates I: Tamo tudo junta



Nesta nossa linguagem
Tudo que há de mais certo
São infinitas possibilidades

Disputas de sentido, curso repartido,
Não tem explicação,
Aparece apenas o já sabido
Vida cheia de veias porejando.

Conecta com a poeira do cosmos,
Olha indubitável vários rostos,
Procura ter segurança no dizer.

Fala subterrânea, escondendo
Enquanto isso vai subvertendo
Castelo de cartas desviradas.

Sócrates, ainda em poker

terça-feira, 14 de junho de 2016

A cegueira da solidão

http://fer1972.tumblr.com/post/99586699964/todays-classic-roland-topor-1938-1997

A linha procura o sofrer
ora, cá estou a desenha-lá
do texto, não sobrará alegria
nenhum motivo para encontrá-la

Não me movem as circunstâncias,
de pensar a solidão como andança
no mito do romantismo,
solidão é dor e pragmatismo

Cá estou traçando o rumo certo das palavras,
pra dizer que o ser só, só é e será, melancolia
pois não há possibilidade no meu ser
enxergar solitude em outra alegoria

Solidão, tristeza?
quem não conhece a si profundamente?
não mente quem diz
que estar só é um trisco de liberdade,
com um traço de ser feliz

André Café

A cada noticia em dias de ira Mortes por todos os lados

Ribs

Estamos em dias de ressaca
O mar vem e derrubou o que viu pela frente
O mar estava sem controle
O mar veio e levou muita coisa
O mar é deverás preocupante
as vezes vem
as vezes volta
Mas sempre traz consigo aquilo que nunca esperamos
mas que sempre estava a flor dos nossos olhos
O mar dessa vez trouxe aquilo que o valor tradicional teima em negar
(...)
O mar não estava louco
O mar estava seletivo, O mar ainda estava bom para surfista
O mar não era cristão, não era budista, não era islâmico
O mar da Flórida trouxe a Homofobia em sua ressaca de ódio, sem controle.

Miguel Coutinho

Prólogo III da saída de Cocytus: A perfeição do controle

Demon transformation by arskuma

Parecia flutuar, o pensador incrédulo diante do epílogo da história em que se achava um mero observador, mas acabara percebendo o quão era partícipe se tornara de toda trama. Onde ele via desespero, o prognóstico era bem mais cáustico e dilacerante. Passava relutante os olhos em alguns escritos, para entender o que perder, onde deixara escapar o âmago, o cerne de toda questão. Mas já sabia da limitada e cerceada potencialidade de observância humana, que quando não fechada num fulcro de egoísmo e pedantismo, é em essência a ingenuidade e o púlpito da ignorância. Acredito que nem mesmo o sábio residente dos prados do inferno estaria a cima desta máxima. A não ser que de própria vontade abdicasse de sua humanidade animalesca.

Incauto, simplório. Mas insistente em reaver algum sentido esquecido em suas análises incipientes. Aquilo me transbordava de cólera.

- Subestima que este patamar de resoluções nada tem a ver com a mínima existência da humanidade? É erro, fim, está fadado. Aceite. Admita a imprecisão por sua própria limitada percepção da realidade.

- Nunca quis me por como arauto de todos saberes, jamais esse fora meu objetivo. Minha relutância em rever escritos não é procurar falhas, lapsos causados por observações incipientes. O que estou averiguando são as comprovações que há muito relutei em não compreender ou aceitar e que se mostram fato. Inclusive o fato de sua análise precipitada, mas com carga de sarcasmo, tal qual Satan fazia. Isso demonstra o grau elevado de sua abdicação de humanidade. Sei que não é o fator humanidade que determina níveis de sabedoria ou não. Mas as ideias de supremacia e sectarização podem ser determinantes fortes de limitação em suas observações.

- Então me acusa de atrofia perceptiva sábio? Onde me encontro agora? A despeito do seu convite, o que me tornei em poucas horas nesses prados? Cá estou soberano de todas estas terras. E isso você coaduna a ideia de deficiência?

- Enganado mais um vez meu senhor. Nem deficiência é analogia para tal caso, nem o julgo de atrofia perceptiva. Mas sim de uma limitação consciente para confirmar uma linha ideológica e teórica. Uma limitação que mostra que não há outros caminhos, pensares, observações a serem feita. E o julgo da força, pelo contingente de alados e caídos tanto aos seus serviços quanto aos de Satan e Metatron, é a facilidade como a sua teoria é afirmada, Enganei-me numa coisa só: não é tal como Satan, você comete equívocos de principiante. Só não sei se por inexperiência ou pelo nervosismo de toda situação.

- Obviamente que inexperiência e nervosismo estejam presente nesse momento ímpar sábio. Mas minha sagacidade não deve ser confundida com equívoco. Estou abreviando o tempo que este sistema levaria para se maximizar numa plenitude. Isso justifica minhas leituras exórdias. Não são leituras iniciantes. São anúncios para o que virá.

- Hum ... e o que seria?

- A perfeição do controle!

O sábio continuava perambulando pelos papiros. Uma luz ao longe, cada vez mais intensa. Satan e Metatron pararam.


Duque de Copas no caminho de Epizêuxis Semântica

Dia on easy há


Bailarina:
mesmo que dance apenas pra si,
rodopia, resguardando o prazer do ritmo para seu eu,
deixando a ver vontade toda vez que me desarma

Gaitera:
Se não é silêncio, é riso, aconchegante
descontrolado, baile solto e desavisado,
daqueles que o desejo é nunca mais sair de perto,
pois é gratuita a alegria compartilhada

Sereno:
ela é, então, pedaço desse tempo que engana
pois é noite ou dia? chuvisco ou mormaço?
desato um laço e descubro uma centena de nós;
e uma centelha de esperança,
pra quem sabe na próxima dança,
ela me desarme, chamando pra bailar
nesse vasto espaço de mundo
chamado amizade

André Café

Lombra da massa


Louva, até o infinito,
cada marco traçado em plano do disco-voador
sem tempo, nem espaço, o nada é o tudo,
sejam doces de milhagem ou matizes da percepção

Em cada louvação, uma história sobre o infinito,
muito conto enquanto o tempo conta o quanto se passa num segundo de silêncio;
na calmaria do bater de asas à Zion, na resoluta tempestade ao despertar além akasha
em cada infinito, um história sobre louvação

É aconchegante o dorso do louva-a-deus grená,
no voo pleno ao outrora esquecido portal de sonhos
rasgando a realidade num suspiro, ativando o orbital da mente
portas escancaradas, mitigando o ardor das correntes invisíveis

Dança, não apenas para o simples desfrute,
mas como um rito, pra anunciar que o momento será sangue sublime,
o voo último de prazer emanará as responsabilidades
para que nenhum paraíso seja assim parada final

A fumaça espaça o prelúdio de digressão,
não há motivos para adiar o instante explosivo
se queremos mais uma vez voar ao sabor do mercúrio
será no forjar da luta pelo por vir natural, horizonte e multidimensional

André Café

Sergipana


Ela tem gosto de abraço
Daqueles que envolvem o corpo todinho
Aquece o sangue
causa um treme no canto do olho
Poderia ate pensar um roteiro com ela
Mas já quer poesia
Em homenagem a seu bissabor
Seu corpo parece uma língua
tocando vagarosamente
entre a bochecha e o lábio
do cangote a nuca
da nuca ao cabelo
provocação é pouco
seu corpo é simbiose.
Orgasmos detonam do seu ventre
Explode tanto que flameja
Líquidos...
as vezes, uma lágrima
segredo.
lágrima solitária, mas feliz...
escorre
abraça
Nirvana.
espasmos.
Teu sexo abraça o meu
envulvando
envulvando
analisando
o nosso bel prazer
entre um vocabulário safado
primitivo

um a zero
dois a zero
Três a zero
quatro a um
desfalece
reluzente
o corpo língua abraça
para não se afogar
olho no olho
boca na boca
e o céu e estrelas na cabeça.

Vinicius Oliveira.

Parcelas suspensas no mundo Ar: sobre o torpor do sistema

Roland Topor

Acima da embriaguez coletiva,
induzida pelo vício de TV,
onde a nuvem de informações tremula
ou num sonho sobre escapar sem bula

A saudação é mundial, mas valia é indivíduo
tirar férias do mundo, pro mundo encarcerado
numa praia deserta lotada de desesperos por sal
por cima dos ombros, enlaçados com o real

As portas sempre se abrem, para o topo ou ao torpor
no mainstrean ou calabouço dos risos em 'normose'
não há possibilidade, quem sabe, de ser possível,
outro tempo e esfera de mundo plausível

É sobre a narrativa de não mudar, que se diz desconstrução
sobre o discurso de incluir que se afirma a exclusão
sobre a premissa de amar, que se extermina
sobre o poder de curar, que se contamina

André Café



A cegueira do tempo

Roland Topor

Quão velho quanto a vontade de viver,
passam os anos, o dizer, o olhar, o sentir, transpõem
nada mais do homem que quisera esquecer
mas que almejara voltar por poucos segundos

Nada mais de amor, no mundo tácito e descabido
se amor tiver, a compreensão seria tarde, para uma noite sem futuro
no turno da dança, os ritmos já não são corpo
ou se são, apenas nos pensares mais arredios

Daquelas épocas em que dizia, não há problema com o viver,
e não há; o que houve foi cultura de exclusão
para tempos, ossos, músculos e sonhos
que apodrecem largados no vão

Ou são reaquecidos diariamente
para dinamitar os rasgos dessa perfeição

André Café

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A cegueira do amor

Roland Topor’s ‘Les Masochistes’ 1960

Nem ame me amando,
não ame meu amor,
nem me ame no torpor,
nem o homem quem sou

A medida de afeto,
do julgo controlado,
mas ame e não me ame,
e reclame do reinado

O valor libertado,
cada um faz o querer,
que na sorte de amar
nem me ame mais que você

André Café

A cegueira sistemática

The Far Side: Roland Topor’s cheerfully violent illustrations from ‘Les Masochistes’ | Dangerous Minds

Um muro. Sem tijolos
cem fins.
Um ilusão doce; aconchegante
fúnebre.

Despertarmos para o torpor diário,
sem tempo, seu dia,
nada mais
Qual a medida dos que geram os relógios?
suor e sangue

Sorriso, sacrífico, somos todos quando nada;
cada um e verso esquecido
Cada falta do olhar, miopia
do lado a lado entorpecido

André Café


A cegueira dos ombros

The Far Side: Roland Topor’s cheerfully violent illustrations from ‘Les Masochistes’ | Dangerous Minds

Paira sobre o mundo do homem,
o muro do tempo e espaço,
num laço despido em pudor
de ardor contido e escasso

A ponta da lança aponta pra si,
imagem reflexo dispare andor
arquétipo de fé fatal e esfinge
pra o sumo consciente da dor

Ah, o mundo em suas querelas
dia após eras a mão que afaga apanha,
a força que bate esquece,
propaga e vende de forma tacanha

Volta e vive, anacrônico ou real?
desconhecido somos em solidariedade
lado a lado, negando o princípio
do pulso transformador da liberdade

André Café