segunda-feira, 17 de maio de 2021

O mundo do ar




O pé talhado na terra úmida,

marca afetiva do labor germinando;

o vento toca a ponta do céu com cuidado,

levando o afofo de beira,

para chorar a ribanceira

das nuvens que vão se aprumando.

 

Trago forte na chama verde,

trabalho coletivo construtor;

o sumo da sobra é barro a se modelar,

forjando no ardor da fogueira,

a vida altiva e arteira,

ciente, sem peso e indolor.

 

Planeta esse, pra qual rumo?

Sonho cadente é fácil de achar:

Não se esconde, mas incita revelação;

floresce em cada fileira,

supera toda fronteira,

dos cantos do mundo do ar.


André Café

De madrugada a gente questiona: zero

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Já não são trocas de turnos,

cada dia mais a paciência com sono é uma derrota previsível.

Sonhos desfigurados em poucos segundos

não sustentam mais o corpo: morada da sede infindável.

 

Quanto tempo leva para se esquecer o instante?

Dobram-se ao meio e aos quartos partículas de quintessência

enquanto a massa de pesares se avoluma e toma espaço,

faz-se percalço que se alimenta do amanhecer.

 

Segue mais um dia, respostas sem questões e condições contraditas,

melodia de um réquiem às avessas que regozija da aflição:

sons secos do amargo calor, que respingam no peito com vontade,

invadindo a mais vil sobriedade, semeando o mais coerente dissabor.


André Café

Anoiteceu; anos 2000 na cidade brutalizada

 



Fim de tarde ou de noite,

aquele abrasador conhecido; vento de paragem, céu sem milhagem.

Aponta para o universo o incerto destino de andança;

apenas mais um jovem nas aventuras de devorar praças e passagens.

 

O ardor sempre esteve, mas adoçado com calmarias:

da Frei pro Mocambinho, Saci ao Promorar,

cai a noite nas calçadas, pra esperar a brisa do norte,

o fervor no último gole para depois a gente sonhar.

 

Passa ponte, pinga lento, o menino ganha as ruas;

ainda sente o verde, o cheiro manga rosa, o detalhe de cidade.

Não que o urbano capitalizado já não devorasse sentidos, espaços, pessoas,

não que o aperto imposto não sangrasse nossa vivacidade.

 

Tão pouco tempo levou à quimera e transrupção;

a cidade engole as crias, no silêncio e invisível.

Atua para as torres mortas, amua para contradição:

amor, ao concreto; blasé, aos ritos dos povos vivos.


André Café