quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Na chuva




Sinto um cheiro de terra molhada, olho a janela do quarto, é mesmo, confirmo: é chuva. Chove lá fora. É hora de recolher as roupas do varal e deixar enxaguar-se de água que cai do céu.

Quando crianças, acreditamos que seja Deus chorando, crescemos mais um pouco e aprendemos sobre o ciclo da água, hoje acredito que a chuva cai sobre nós, somente para encharcar e lavar a alma, só para isso.

Crendo nisso, deixei minha alma na chuva, como aquela mesma roupa que esquecemos de tirar do varal. Podia ver minha alma estendida e pingando. Ainda de alma estirada, contemplei os pingos de chuva ricocheteando nas pedras, no asfalto e contra a própria água.

Perguntei-me porque muitos outros não se deixavam lavar por águas de chuva (nessa hora muitos se esquivavam de serem purificados pela chuva que caia). Quis gritar e dizer: deixem-se levar, deixem-se lavar!

E não tive forças para fazer isso. Ali, estendida e pingando, só quis ficar de rosto para o alto, olhos fechados, mãos abertas, pés com água cobrindo e com chuva açoitando meu corpo. Fui egoista. Quis aquela chuva só para mim, quis que os pingos d´agua caissem só pelo meu rosto, molhassem somente meus cabelos, ricocheteassem somente por esse corpo que é meu, lavassem a minha alma.

Percebendo cada vez menos a intensidade dos pingos sobre mim e escutando menos ainda a chuva cair do céu no chão, sai do estado de transe em que me encontrava. Àquela hora a chuva estava parando, era hora de apressar a lavagem da alma.

De súbito, concentrei-me, respirei fundo e disse à chuva como a beijando num desafio: "Lava a minha mente, o corpo é fácil, quero ver conseguir isso."

... não pudemos continuar nossa conversa - a chuva e eu -, ela acabou ou desistiu quando desafiada, mais rápido do que eu esperava.



(Iúna Gabriella Paiva)

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