segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

2238? Fim ou futuro? A roda de conversas


Sentei-me como de costume a frente de Satan. Por vários tempos, por muitas vezes aqueles encontros eram um mero passatempo, um capricho diabólico para rotinas de sangue e caos. Outrora saberia recriar rotas de fuga para o instintivo prazer de tolher e dilacerar almas que o demônio possuía. Mas hoje sinto ser presa fácil. A presença de Duque alterara todos os sentidos. Mas, a revelia da pulsação, lá estava para adentrar neste novo jogo.

- Então, nobre pensador. Era este ser humano que você aguardou por eras e fora tempos?

- Satan, não poderia saber quem seria pois a carta foi jogada ao sabor do acaso. Se ele aqui está agora, mero destino.

- Hum ... não lembro desta intimidade sua comigo. Parece deslocado de suas significações nobre pensador. Esta ansioso por algo? Teme o que vai acontecer nos próximos momentos? Sempre interessante.

- Se mentir ou falar a verdade fosse solução prática neste ambiente, já estaria morto há muito tempo. Então decifre como quiser minhas ações.

- Sempre perfeito caro Sócrates. Mas vejamos, seja bem vindo Duque de Copas. Era sua vontade me conhecer? Diga, o que é mais difícil? Desconhecer este mundo e alienar-se em contos de paraíso ou não desprender-se da condição humana?

- Saudações regente real destes campos. E que belas pradarias foram aqui constituídas ... Obtuso, pontuo sem esboçar irreais palavras: alienação? condição humana? O crivo da natureza me impede de abnegar este corpo, mas assim que me coloquei nesta jornada, nada mais me parecia humanidade ou algo parecido. Este espaço tem sim suas intencionalidades e deve existir para aqueles que o procuram.

- Hum ... então você procura o Inferno, mas não se coloca sob a chibata de minhas leis. Mas, se julgas misantropo. Eu te direis. Ou melhor, mostrarei. Acaso conheces aquela alma?

Estava ao longe, mas destacada das demais, pequenina e frágil. Seguia o caminho de Cocytus para algum outro lugar. Os olhos de Duque fixaram-se assim como o silêncio devastador. Nem o vento era percebido. A imagem parada, algo perturbador, de iminente perigo. A situação não poderia estar mais caótica.

- Parece que  seu convidado está estarrecido com o que vê nobre pensador. Será o inferno demais pra ele?

- Não possuo os elementos totais para compreender esta situação, mas quem seria aquela garota?

- Sofia, a filha única de Duque. Recém chegada.

- Então esta é a carta de trunfo que você tramara para submeter Duque às suas revelias e insanidades?

- Nobre pensador, poderia sim ter agido desta maneira, mas eu lhe digo: um prazer tão imediato como este não me satisfaria. Eu preciso sempre de mais do que o máximo pode ser ou se transformar. Para mim foi uma surpresa perceber essa ligação entre ela e Duque. Mas serviu para demonstrar o retorno aos arcabouços que nenhum ser humano se rebela em totalidade. Vede Duque, como seu pulsar demonstra tristeza e fúria ao mesmo tempo. E agora diga-me: a garota está seguindo a condição humana de existência e será devidamente recepcionada pelo castigo que melhor convir. Será deveras sofrível. E então, não é elementar que este sistema exista? Que todo humano padeça e pague pelos infortúnios outrora vividos? Diga-me como é doce e importante esta condição.

- ... sim, é para isso que existe este espaço ... e nada mais defenestrador do que esta cena que agora eu vi. Perplexo fiquei, não há como negar. Necessitava porém desta extirpação humana, precisava moer de mim este último obstáculo. E mais do que nunca este universo infindável de males é necessário, porque a Terra vive seu fim.

- Hum. Então me dizes que não te abalastes com a notícia da morte de sua filha?

- Se não sou humano, como terei relações enterradas em elucubrações culturais.

Os olhos dos dois miravam-se. A conversa nidificou-se em duelo. Satan não possuía mas arma alguma para aproveitar-se da condição humana de Duque. Este ofegara inicialmente, mas parecia convicto de que não mais se abalaria por quaisquer situações. Dois seres endemoniados. No caso, três.

- Então ser sem classificação. O que te movimentas? Acaso quer me tomar o lugar?

- Não posso dizer que isso é fim, porque seria um só e não contemplaria todos os meus fomentos. A minha ideia passa essencialmente pelo propositor da concepção e existência desta raça autodestrutiva. Se minha Sofia cá está e não de ti surgiu o plano, então ...

- É muito simples de perceber. Tem outro, ou outros planos em curso. E ficar como mero expectador é deixar-se virar poeira. E então nobre pensador. O que diz?

A muito que meu copo, cartas e corpo descansara em névoas de aroma sulfúrico. Mas o pensamento retilíneo em labores não existenciais me colocou a par da certeza daquela conversa. Tanto Satan quanto Duque pensavam a mesma coisa. Duque se encontrou, se identificou com o sistema satânico. Satan por sua vez testou, brincou, mas pela primeira vez parecia fechar um grande acordo. Não poderia parecer mais diabólico.

- Pensar desta forma, expõe então o real sentido dos antagonismos. Embora pareça equilíbrio, você busca este embate desde os tempos. E encontrou numa existência humana a mesma condição.

- Exatamente nobre pensador. Mas não temos ainda a noção de elementos suficientes.

- E o que será sugerido então para que isso seja sublimado?

- Apenas mais um copo e um embaralhamento. Sente-se com a gente Metatron


Sócrates jogando poker em Cocytus com Satan

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