Somos lançados ao mundo e gradativamente talhado por ele. A orientação sexual é uma dessas dimensões que não sabemos ao certo como a constituímos, os pais sonham com seus filhos, escolhem as cores do quarto e da vestimenta, se glorificam com o futuro promissor que suas crianças iram desempenhar na sociedade ao partilhar de vossas culturas, pois é via a identificação do sexo do bebe e seu registro no Cartório Civil, que se inicia um processo de tratamento no qual a criança passará a ser investida. “Espera-se que ela submeta seus comportamentos e condutas ao sistema simbólico da sociedade na qual esta inserida” (Cecarelli, 2003, p. 43) é via os discursos baseados nos desejos reais e fantasmáticos dos pais, que os infantes adquirem um lugar na sociedade de menino ou menina (Cecarelli, 2003).
Mais o sexo não esta ligada somente aos caracteres biológicos apresentados através da genitália, esse não seria nem o mais importante, de acordo com Robert Stoller (citado por Cecarelli, 2003; Marcelli, 1998), que defende embasado na teoria freudiana que há duas dimensões da sexualidade uma biológica (sexo) e outra psicológica, sociológica (gênero), na qual a criança construirá sua sexualidade através dos modelos parentais e seus sentimentos relacionados à masculinidade e feminilidade, para ele a libido é feminina, já que é através da fusão ou relação primária que se tem com a mãe que se iniciará as identificações sexuais. Dessa forma, os meninos estariam em uma situação bem mais problemática que as meninas, visto que eles deveram se desinvestir dos desejos e fantasias das suas mães para poderem assumir o gênero masculino, e as garotas nesse interim apenas devem aliar-se as fantasias maternas (Cecarelli, 2003; Marcelli, 1998).
Então, para assumir uma sexualidade engajamos uma batalha com os nossos pais, pois também desejosos de sermos quem queremos ser, “temos que matar a representação narcísica que ocupamos no desejo daqueles que nos deram vida” (Cecarelli, 2003, p. 48). Desejamos o outro, desejamos coisas, desejamos a nós mesmos. O desejar é atribuir ou investir libido, a energia provedora de vida e de amor, que nos impulsiona ao querer, imaginar, sonhar, continuar vivos e possuidores de parceiros sexuais. Quando se relacionamos com o outro, o estranho, nos deparamos com suas peculiaridades e com suas divergências aos nossos desejos, se relacionamos na maioria das vezes com o que é nosso, pois projetamos as nossas fantasias no palco corpóreo do parceiro, que pode ser um bom ator para nossas ilusões ou um grande causador de angustias por não suprir as necessidades. Então, quem será o submisso, a enfermeira, o carrasco, o violento, a mulher e o homem; no jogo da sexualidade a multiplicidade e diferenciações reinam.
E nessa mesma amplitude os teóricos e pesquisadores devem ter um senso crítico e uma escuta apurada, pois a sexualidade é repleta dos desdobramentos históricos da vida dos sujeitos, suas subjetividades, suas experiências e principalmente seu investimento de amor, mesmo que para causar uma amargura, modificar o seus corpos ou investir seu desejo no mesmo sexo, os psicólogos devem estar aptos a superarem seu etnocentrismo, pois como seres do desejo é a desejabilidade que deve ser analisada.
Referência
Cecarelli, P. R. (2003). Transexualismo e caminhos da pulsão. Reverso. 25(50): 37-50.
Marcelli, D. (1998). Psicopatologia da diferença dos sexos e das condutas sexuais. In: D. Marcelli. Manual de psicopatologia da infância de Ajuriaguerra (pp.163-171). 5. ed. Porto Alegre: Artemed.
(Pedro Modesto)
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