sexta-feira, 11 de março de 2011

É duro pensar em você




É duro pensar em você, Vitim, e acreditar que já não está entre nós com seu sorriso largo, que não cessava e não cessa até hoje, pois está em nossos corações de alguma forma mais quente e forte. Perguntamos-nos tanto o “porque” disso tudo, mas esquecemos de nos dizer que você teve sua vida do seu jeito. Uma vida cheia e exacerbadamente emocionante, mas foi do seu jeito. Não encontraremos respostas, nem agora, nem em mil anos (e parece já passaram décadas), só sabemos que como você mesmo nos falou, naquele tão belo poema que nos enviou um pouco antes de partir, a cada mil lágrimas acontece um milagre, e com certeza milagres se processarão. Espero que a cada mil lágrimas tua alma receba conforto para que sejas livre, estamos sentindo o gosto do sal, não chorar é inevitável. Sentimos o gosto do sal.
Esperamos que agora sejas livre como você sempre sonhou que as pessoas fossem. Como sempre lutou para que as pessoas fossem. É, para quem não sabe, este foi um grande lutador do povo, lutava para os que virão. Seu sonho? A liberdade. Incrível como um homem, companheiro, militante, que tanto lutou para que enfim, a liberdade fossem um bem supérfluo, este mesmo homem, vivesse em um escafandro. Um escafandro neste imenso e cruel manicômio a que chamamos mundo. Ontem em um escafandro, hoje uma borboleta.
Tremi muito de pensar que depois de tudo, ainda pudesses esta sofrendo, mas como sempre, me socorreu, a noite tu me aparecestes em sonho trajado de azul e com penas acompanhado de um anjo negro e me assegurava que estava em bom lugar. Vai ver o pai precisou de ti. Disse: ta na hora de trabalhar de Vitim. E lembras que sempre o chamávamos de santo Vitim? Chego a me perguntar se realmente eras deste mundo. Veio a este mundo, mas este mundo não era pra ti, tinha muita dor. E você como sempre, tentava por fim em toda dor do mundo e muitas vezes, esquecia da sua. E você sempre dizia: o cuidador precisa de cuidado. Tentamos cuidar de você e te fizemos feliz até quando pudemos. Agora ainda continuamos a cuidar de ti, mandando orações. Daqui estamos resistindo, daí você receba a graça. Até o teu cachorro às vezes lati, como se tivesse pedindo socorro nessa velha escola ao avesso, chamada mundo. Mas continuaremos a resistir. Sabemos que nem todos os dias acordamos para sermos felizes, e nossa alma é subitamente acometida por um medo, aí só deixar a chuva molhar e o silencio ser prece, pois não há barulho maior senão o do sossego das orações que te mandamos. Das nossas canções, textos e vídeos, restos de nossas orações.
E mais uma vez, como a me dá conforto. Só faltava o céu se abrir em um imenso coração. E de repente isso já não faltava. Como se mais uma vez, quisesses nos passar conforto e dizer que está bem, o céu se abre em um imenso coração. Era noite, a nuvens rosinhas se preparavam para cair e banhar nossos rostos para levar um pouco do sal, quando então se formou um coração no céu. Um fundo azul coroado de nuvens rosa. Um perfeito coração.
Tinhas o dom de aproximar, ao menos a mim, de tudo que eu era, de tudo que existia de mais perfeito e colorido na minha vida. Por isso não canso de dizer que de todas as coisas bem-vindas que já recebi eu só reconheci minhas cores nela quando eu te conheci. Obrigada por ter me mostrado a tempo as cores, os sons, os sentidos, o bater de asas, os caminhos mais lindos que já recebi. E as coisas eram tão mais lindas, por você está. E de onde você estiver, as coisas continuaram a serem mais lindas quando você está. E hoje, com certeza você está nas coisas mais lindas dessas pessoas que tanto sentiram o gosto do sal, apesar de inevitavelmente banal, sentimos o gosto do sal.
Não sabemos o dia, que nos encontraremos, mas nos encontraremos e certamente em um bom lugar. Tua bondade infinita, tua luta, teu movimento não nos permiti que nos diga o contrario.
Não nos revoltaremos, sabemos que tivestes a vida do teu jeito. Curta? Nada. Não andou como uma andorinha à toa. Teve uma vida cheia e do seu jeito. Conheceu mares, terras, secas, chuvas, pessoas lindas, pessoas feias que se tornavam bonitas aos teus olhos mansos. Teve uma vida repleta de amor, felicidade, amigos e acima de tudo, companheiros. Não teve uma vida curta. Teve uma vida do seu jeito. Trilhou o mapa na pontinha dos seus dedos e alcançou com os pés até onde pode ir. Na bagagem? Muito amor e vontade de mudar o mundo, a única certeza que tinha que não veria o homem que queria ser, mas apesar de tudo persistia nesse sonho louco pela liberdade dos que virão. Como centralidade da sua luta, sonhava com uma sociedade sem manicômios e sonhou seu sonho com os olhos abertos e o coração acordado. E em todo lugar deixava um amigo, um companheiro, um irmão.
O teu samba perseguiu com alegria, cantava seu samba que acordava a todos por onde passava. Cantava não pela perfeição do mundo, mas pelo instante, cantava porque o grito só não basta.
Meu amor, grande amor da minha vida, só te agradeço por ter juntado as mãos para a nossa ciranda. Obrigada por ter me ensinado a amar. Mesmo que a palavra se cale, o silencio insista, o sentido se eternizará na boca, nos olhos, nas mãos.
Agora peça a benção para passar.

(Sarah Fontenele)

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