quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cafuné


Já era o nosso terceiro encontro e eu não sabia o que pensar, havia uma inquietação que não poderia definir. Paixão? Amor? Acredito que não. Dois encontros maravilhosos haviam ocorrido, os melhores desde que comecei a conhecer novas pessoas. Papo agradável, momento apreciável e aquele olhar que me prendia.
Beijá-la era um desejo constante, mas faltava algo. Algo dentro de mim falava sem parar que precisava conhecer mais um pouco. As músicas, as perspectivas, mais alguns gostos, a história não contada e diversas outras coisas que ignoramos ao ir direto ao ponto: O tão sonhado beijo. No dia seguinte o beijo seria apenas uma lembrança gostosa e o desconhecido do seu ser algo perturbador.
~~
Não vale muito a pena descrever o local onde estávamos, mas valia muito a pena olhar para seus olhos, mesmo com uma forte marca de olheiras, prendiam minha atenção.

Você pensa na gente? — Interrompi sua fala, os pensamentos estavam inquietos demais para esperar que parasse.
Por que pensaria? — Respondeu parecendo surpresa com minha pergunta do nada.

Por que não pensaria?
Porque não quero sofrer. — A principio a resposta pareceu negativa, mas pensando bem, era justo. Era apenas o terceito encontro, não poderia cobrar tanta confiaça ou exigir de mim que nunca a faria sofrer.
Você já está sofrendo.
Talvez.
Certeza.
De que forma?
Ao se privar tanto.
Certo. Pensei...
E o que pensou? — Sem perceber, praticamente como por reflexo parei sua fala, ler seus pensamentos não era tão simples.
Que nunca iremos dá certo.
Concordo.
Se já sabia isso, por que perguntou?
Não me prendo ao que sei, apenas ao que sinto e ao que posso viver.
E o que você sente?
De concreto? Nada. De abstrato? Em cada momento com você, algo diferente.
E o que predomina?
Já é a terceira vez que estou contigo.

Já era muito tarde, perto das dez da noite e quando não queremos o transporte chega muito rápido. Aproximei-me um pouco mais para lhe dar um abraço singelo, juntamente com um beijo carinhoso no seu rosto, a noite não terminaria com um beijo romântico, com nossos lábios se entrelaçando e isso não era algo ruim. Antes de seguir meu rumo, naquele momento da ultima despedida depois de várias outros, ela olhou fixamente em meus olhos e disse: “Haverá uma quarta”.

~~

Geralmente detesto o final de semana, a ausência de rotina faz tudo sair dos eixos e a sensação de está perdendo tempo é muito ruim, ainda mais, depois de tudo que aconteceu recentemente. Mas nos últimos três finais de semana, não eram chatos como de costume. Pelo contrário, estavam ótimos diante da companhia dela. Se sair com ela for minha rotina do final de semana, sinto que agora ele será esperado como nunca.
~~

Não havia motivos para pensar nela, mas de alguma forma eu pensava. Pensava em várias coisas, nos seus doces preferidos, nos passeios que ela não havia feito, nos desejos simples não realizado, no seu passado, nos meus passeios que eu gostaria de tê-la, desde os repetitivos até os inovadores. De fato não era um novo amor, nem uma paixão, apenas sentia sua presença de forma especial, como se eu pudesse ser algo que ela precisasse e ela sem dúvida é algo, que especialmente preciso.

~~

Depois de tudo que houve, parece estranho querer um novo amor, uma nova pessoas, abdicar todo meu tempo livre para ter alguém, só que, se tem algo que aprendi bem nos últimos meses foi a não fugir daquilo que somos. E eu sou exatamente assim, alguém em uma busca constante por alguém, o que nem sempre é bom, ora ou outra queremos que alguém venha atrás de nós, alguém que possamos corresponder. No entanto, talvez o universo não funcione assim, talvez quando queremos devemos ir, não atrás, mas não permanecer parados. Mesmo tendo diversas outras coisas para me tirar dessa inquietude, eu queria que ela me tirasse e acho que conseguiu, aos poucos vai substituindo o vazio, a frustração, o receio por algo palpável, mesmo que esse sentimento tangível seja o medo.

~~

Era o tão esperado quarto encontro, dessa vez era algo mais casual. Havia uma lanchonete muito boa e resolvemos ir lá a tarde, em um dia de semana mesmo. O lugar era agradavel, pequeno, mas confortavel e por causa do horario não havia ninguém, apenas eu e aquele belo par de olhos que me encantava cada vez mais.

― Aquele dia, no primeiro encontro, por que me levou lá para fora? ― A pergunta dela me pegou de surpresa, talvez a minha resenha sobre o filme não estava sendo boa.

― Não sei, queria me focar mais em você.
― Queria me beijar?
― Talvez, não era o objetivo principal da noite.
― E qual era o objetivo principal?
― Ser alguém capaz de lhe dá uma boa noite.
― Conseguiu. ― Revelou dando um sorriso que me agradou.
― Resultado melhor que um simples beijo.
― Sim, mas eu também queria lhe beijar.
― Então por que não foi lá fora?
― Você podia ter me beijado em qualquer lugar.
― Claro, mas não havia o clima perfeito.
― Não era para esperar, nem sempre precisamos dele.
― Só quando algo é realmente importante.
― Era realmente importante o beijo?
― Não mais que continuar lhe vendo.
― Mas assim o desejo só aumentaria.
― Sim, juntamente com a certeza que a valeu a pena esperar.
― Realmente, acho que teria seria meio atrapalhado e estranho. ― Não pareceu concordar muito, até mesmo por não saber a sua definição de estranho e atrapalhado.

― Teria sido perfeito, sem dúvida, mas não tanto quanto se tivesse sido no segundo encontro ou no terceiro.
― E agora no quarto, não seria?
― Agora, no mínimo um beijo e um quinto encontro.
― E no máximo?
― Seu coração.
― E se não tiver nada de nada?
― Se eu não tivesse nada, você não estaria aqui.
― Eu posso ir embora agora se for o caso. ― Ameaçou sair da mesa. A essa altura já tinhamos terminado o lanche e como se paga antes, em tese já estava livre.

― Claro que pode, assim como eu já poderia ter lhe beijado.
― E porque não irei fazer?
― Justamente porque quer, mas tem dúvidas se é certo.
― Você sempre torna tudo tão profundo?
― É o meu defeito. Já tentei viver de forma superficial, não deu certo.
― Parece simples, por que não deu certo?
― Simplesmente não podemos fugir de quem somos.
― E quem você é?
― Nesse momento?
― Sim...
― Alguém que espera ser algo para você.
― Algo como o que?
― Apenas algo que você sinta feliz de ter por perto.
― Ser qualquer coisa serve?
― Você não é do tipo que mantém qualquer coisa ao seu lado e nem eu do tipo que é qualquer coisa.
― Por que eu?
― Não tem explicação, apenas acontece, mas de alguma forma você me fez sentir algo diferente, algo que ao te olhar me faz pensar que vale a pena tê-la de forma especial.
― E o que seria me ter de forma especial?
― Posso ser um mero contato, um amigo ou alguém especial em sua vida.
― Amigos são especiais.
― Sim, muito especiais, mas nunca da forma que precisamos.
― E qual é?
― A que você quer ser e ter.
― Vamos continuar no mistério?
― Vamos ter o nosso quinto encontro?
― Sim.

Falamos muito, isso é a mais pura verdade. Mas sempre achei muito vazio o beijo por si só, investir energias e momentos em alguém que não pudesse passar de um encontro, o momento preenche o vazio, o beijo mata a vontade, mas a pessoa, o sentimento, a vontade, a perspectiva, a determinação e a certeza de enfrentar o sim faz do beijo algo completamente perfeito.

Na verdade não havia muito tempo desde que havia beijado alguém, algo em torno de seis meses, mas não é o tempo em dias que determina algo, os encontros passados foram o tempo necessário para que um beijo pudesse ser perfeito e único novamente, para que houvesse o medo em beijar novamente de querer fazer tudo da forma correta.

Depois de um tempo caminhando, encontramos uma praça pequena, bonita e atraente, sentamos para conversar mais um pouco.

― Posso lhe dizer uma coisa?
― Sim. ― Respondeu de forma radiante.

Segurei sua mão para que levantasse, aproximee meus lábios dos dela, não houve pedido, mas havia uma confirmação, poderia beijar, por um lado sem medo, por outro com vários medos infantis que tornava tudo mais emocionante.
Uma pausa, uma troca de olhar, um pedido de desculpa pelo deslize e assim o tempo passou. Um beijo, dois corpos, corações onde os cacos estavam voltando ao normal de forma mágica e fisicamente impecável.

O celular já estava tocando há alguns minutos, por incrível que pareça ela o estava ignorando, de alguma forma fiz algo certo.

Quando não dava mais para esperar, atendeu, falou com seu pai. Ao desligar o telefone lhe dei um último beijo singelo que durou o suficiente para deixar claro o quanto queria mais e ela afirmou ao me puxar novamente para a sua despedida. Não foi apenas um beijo. Foi um entrelace de almas. Duas almas que queriam apenas algo especial, mesmo que beijar seja algo banal nos tempos modernos. Banal, mas essencial, é pelo beijo que decidimos.

― Você não disse o que queria.
― Claro que disse, apenas usei uma forma não verbal.

Ela sorriu e o brilho de seus olhos tornou tudo mais perfeito. Peguei em sua mão e seguimos até o ponto, esperamos pouco até seu pai aparecer. Um abraço final seguido de um “Nos falamos daqui a pouco”.

Cada corpo seguiu seu caminho, mas um pouco de ambos permaneceu e muito de ambos ainda chegaria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário