Já era o nosso terceiro encontro e
eu não sabia o que pensar, havia uma inquietação que não poderia
definir. Paixão? Amor? Acredito que não. Dois encontros
maravilhosos haviam ocorrido, os melhores desde que comecei a
conhecer novas pessoas. Papo agradável, momento apreciável e aquele
olhar que me prendia.
Beijá-la era um desejo constante,
mas faltava algo. Algo dentro de mim falava sem parar que precisava
conhecer mais um pouco. As músicas, as perspectivas, mais alguns
gostos, a história não contada e diversas outras coisas que
ignoramos ao ir direto ao ponto: O tão sonhado beijo. No dia
seguinte o beijo seria apenas uma lembrança gostosa e o desconhecido
do seu ser algo perturbador.
~~
Não
vale muito a pena descrever o local onde estávamos, mas valia muito
a pena olhar para seus olhos, mesmo com uma forte marca de olheiras,
prendiam minha atenção.
―
Você pensa na gente? — Interrompi sua fala, os pensamentos estavam
inquietos demais para esperar que parasse.
―
Por que pensaria? —
Respondeu parecendo surpresa com minha pergunta do nada.
―
Por que não pensaria?
―
Porque não quero sofrer. — A principio a resposta pareceu
negativa, mas pensando bem, era justo. Era apenas o terceito
encontro, não poderia cobrar tanta confiaça ou exigir de mim que
nunca a faria sofrer.
―
Você já está sofrendo.
―
Talvez.
―
Certeza.
―
De que forma?
―
Ao se privar tanto.
―
Certo. Pensei...
―
E o que pensou? — Sem perceber, praticamente como por
reflexo parei sua fala, ler seus pensamentos não era tão simples.
―
Que nunca iremos dá certo.
―
Concordo.
―
Se já sabia isso, por que perguntou?
―
Não me prendo ao que sei, apenas ao que sinto e ao que posso
viver.
―
E o que você sente?
―
De concreto? Nada. De abstrato? Em cada momento com você,
algo diferente.
―
E o que predomina?
―
Já é a terceira vez que estou contigo.
Já
era muito tarde, perto das dez da noite e quando não queremos o
transporte chega muito rápido. Aproximei-me um pouco mais para lhe
dar um abraço singelo, juntamente com um beijo carinhoso no seu
rosto, a noite não terminaria com um beijo romântico, com nossos
lábios se entrelaçando e isso não era algo ruim. Antes de seguir
meu rumo, naquele momento da ultima despedida depois de várias
outros, ela olhou fixamente em meus olhos e disse: “Haverá uma
quarta”.
~~
Geralmente detesto o final de
semana, a ausência de rotina faz tudo sair dos eixos e a sensação
de está perdendo tempo é muito ruim, ainda mais, depois de tudo que
aconteceu recentemente. Mas nos últimos três finais de semana, não
eram chatos como de costume. Pelo contrário, estavam ótimos diante
da companhia dela. Se sair com ela for minha rotina do final de
semana, sinto que agora ele será esperado como nunca.
~~
Não
havia motivos para pensar nela, mas de alguma forma eu pensava.
Pensava em várias coisas, nos seus doces preferidos, nos passeios
que ela não havia feito, nos desejos simples não realizado, no seu
passado, nos meus passeios que eu gostaria de tê-la, desde os
repetitivos até os inovadores. De fato não era um novo amor, nem
uma paixão, apenas sentia sua presença de forma especial, como se
eu pudesse ser algo que ela precisasse e ela sem dúvida é algo, que
especialmente preciso.
~~
Depois de
tudo que houve, parece estranho querer um novo amor, uma nova
pessoas, abdicar todo meu tempo livre para ter alguém, só que, se
tem algo que aprendi bem nos últimos meses foi a não fugir daquilo
que somos. E eu sou exatamente assim, alguém em uma busca constante
por alguém, o que nem sempre é bom, ora ou outra queremos que
alguém venha atrás de nós, alguém que possamos corresponder. No
entanto, talvez o universo não funcione assim, talvez quando
queremos devemos ir, não atrás, mas não permanecer parados. Mesmo
tendo diversas outras coisas para me tirar dessa inquietude, eu
queria que ela me tirasse e acho que conseguiu, aos poucos vai
substituindo o vazio, a frustração, o receio por algo palpável,
mesmo que esse sentimento tangível seja o medo.
~~
Era o tão
esperado quarto encontro, dessa vez era algo mais casual. Havia uma
lanchonete muito boa e resolvemos ir lá a tarde, em um dia de semana
mesmo. O lugar era agradavel, pequeno, mas confortavel e por causa do
horario não havia ninguém, apenas eu e aquele belo par de olhos que
me encantava cada vez mais.
―
Aquele dia, no primeiro encontro, por que me levou lá para fora? ―
A pergunta dela me pegou de surpresa, talvez a minha resenha sobre o
filme não estava sendo boa.
― Não
sei, queria me focar mais em você.
―
Queria me beijar?
―
Talvez, não era o objetivo principal da noite.
― E
qual era o objetivo principal?
― Ser
alguém capaz de lhe dá uma boa noite.
―
Conseguiu. ― Revelou dando um sorriso que me agradou.
―
Resultado melhor que um simples beijo.
― Sim,
mas eu também queria lhe beijar.
― Então
por que não foi lá fora?
― Você
podia ter me beijado em qualquer lugar.
―
Claro, mas não havia o clima perfeito.
― Não
era para esperar, nem sempre precisamos dele.
― Só
quando algo é realmente importante.
― Era
realmente importante o beijo?
― Não
mais que continuar lhe vendo.
― Mas
assim o desejo só aumentaria.
― Sim,
juntamente com a certeza que a valeu a pena esperar.
―
Realmente, acho que teria seria meio atrapalhado e estranho. ― Não
pareceu concordar muito, até mesmo por não saber a sua definição
de estranho e atrapalhado.
― Teria
sido perfeito, sem dúvida, mas não tanto quanto se tivesse sido no
segundo encontro ou no terceiro.
― E
agora no quarto, não seria?
―
Agora, no mínimo um beijo e um quinto encontro.
― E no
máximo?
― Seu
coração.
― E se
não tiver nada de nada?
― Se eu
não tivesse nada, você não estaria aqui.
― Eu
posso ir embora agora se for o caso. ― Ameaçou sair da mesa. A
essa altura já tinhamos terminado o lanche e como se paga antes, em
tese já estava livre.
― Claro
que pode, assim como eu já poderia ter lhe beijado.
― E
porque não irei fazer?
―
Justamente porque quer, mas tem dúvidas se é certo.
― Você
sempre torna tudo tão profundo?
― É o
meu defeito. Já tentei viver de forma superficial, não deu certo.
―
Parece simples, por que não deu certo?
―
Simplesmente não podemos fugir de quem somos.
― E
quem você é?
― Nesse
momento?
―
Sim...
―
Alguém que espera ser algo para você.
― Algo
como o que?
―
Apenas algo que você sinta feliz de ter por perto.
― Ser
qualquer coisa serve?
― Você
não é do tipo que mantém qualquer coisa ao seu lado e nem eu do
tipo que é qualquer coisa.
― Por
que eu?
― Não
tem explicação, apenas acontece, mas de alguma forma você me fez
sentir algo diferente, algo que ao te olhar me faz pensar que vale a
pena tê-la de forma especial.
― E o
que seria me ter de forma especial?
― Posso
ser um mero contato, um amigo ou alguém especial em sua vida.
―
Amigos são especiais.
― Sim,
muito especiais, mas nunca da forma que precisamos.
― E
qual é?
― A que
você quer ser e ter.
― Vamos
continuar no mistério?
― Vamos
ter o nosso quinto encontro?
― Sim.
Falamos
muito, isso é a mais pura verdade. Mas sempre achei muito vazio o
beijo por si só, investir energias e momentos em alguém que não
pudesse passar de um encontro, o momento preenche o vazio, o beijo
mata a vontade, mas a pessoa, o sentimento, a vontade, a perspectiva,
a determinação e a certeza de enfrentar o sim faz do beijo algo
completamente perfeito.
Na
verdade não havia muito tempo desde que havia beijado alguém, algo
em torno de seis meses, mas não é o tempo em dias que determina
algo, os encontros passados foram o tempo necessário para que um
beijo pudesse ser perfeito e único novamente, para que houvesse o
medo em beijar novamente de querer fazer tudo da forma correta.
Depois de
um tempo caminhando, encontramos uma praça pequena, bonita e
atraente, sentamos para conversar mais um pouco.
― Posso
lhe dizer uma coisa?
― Sim.
― Respondeu de forma radiante.
Segurei
sua mão para que levantasse, aproximee meus lábios dos dela, não
houve pedido, mas havia uma confirmação, poderia beijar, por um
lado sem medo, por outro com vários medos infantis que tornava tudo
mais emocionante.
Uma
pausa, uma troca de olhar, um pedido de desculpa pelo deslize e assim
o tempo passou. Um beijo, dois corpos, corações onde os cacos
estavam voltando ao normal de forma mágica e fisicamente impecável.
O celular
já estava tocando há alguns minutos, por incrível que pareça ela
o estava ignorando, de alguma forma fiz algo certo.
Quando
não dava mais para esperar, atendeu, falou com seu pai. Ao desligar
o telefone lhe dei um último beijo singelo que durou o suficiente
para deixar claro o quanto queria mais e ela afirmou ao me puxar
novamente para a sua despedida. Não foi apenas um beijo. Foi um
entrelace de almas. Duas almas que queriam apenas algo especial,
mesmo que beijar seja algo banal nos tempos modernos. Banal, mas
essencial, é pelo beijo que decidimos.
― Você
não disse o que queria.
― Claro
que disse, apenas usei uma forma não verbal.
Ela
sorriu e o brilho de seus olhos tornou tudo mais perfeito. Peguei em
sua mão e seguimos até o ponto, esperamos pouco até seu pai
aparecer. Um abraço final seguido de um “Nos falamos daqui a
pouco”.
Cada
corpo seguiu seu caminho, mas um pouco de ambos permaneceu e muito de
ambos ainda chegaria.
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