Revista Emília |
Viajei em um ônibus velho
e as velharias balançaram o meu corpo
enquanto a minha cabeça sonolenta
batia nas ferragens desparafusadas.
Suei como um menino saindo da febre
e os meus pés estavam recolhidos
como se reatassem a sua união ali
e eu permanecia com o corpo adormecido sobre o banco.
As minhas pálpebras guardavam um sol embriagado
e não sabia se pedia, para o café-da-manhã,
lua, estrelas ou o cavalo de São Jorge para cavalgar
entre a constelação da rota do pequeno príncipe.
Segurei a calda de algum cometa feito um vaqueiro
e segui firme e delirante para suspirar água bêbada
onde os olhos ficavam arregalados pelo vento das asas
das cidades soltas e sitiadas pela história do mundo debaixo.
Veio, de súbito, um freio pesado
e me acordou dos cometas, mostrando os olhares
dos que estavam quietos e com os olhos expurgados ao redor.
Desci tropeçando com o meu tênis sujo de outros mundos.
Eu tinha cheiro de pavão misterioso
e não me re-conhecia entre aqueles olhares carcumidos
até que algum espelho gritou ousadamente de longe
e me chamou de inumano quando avistou uma pena em mim.
Perdi o senso de ser alguém naquela viagem no ônibus velho
e eu sempre fui tão perdido e mais perdido estive entre os objetos
desse mundo de cá, do lado lá desse rio
que guarda os seus afluentes nos meus olhos vermelhos não-dormidos.
Sigo ávido pelas digressões de versos parados
porque versos parados não funcionam quando os mosquitos lhe tocam.
Há muitos alfinetes fincados nos cometas que queimam as penas
desses pavões desajeitados, desvalidos e com a feição de outros tempos
e mundos.
(Lourival de Carvalho)
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