terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Epitáfios



Esse correr de horas soltas assimila-se com o bater de asas de uma andorinha que vaga por entre mil céus imaginários segregados a um coração aflito, que apenas pulsa por obrigação corpórea de um sistema que ainda luta para viver. Ah, essas oscilações e vertentes obrigacionais que primam um alaúde de contentamento inglório dessas minhas memórias saudosistas, tal qual o canto de uma sereia solitária que banha-se em seu mar de deslumbramento – assombração para olhos descrentes –, enfeitando as noites de todos os nossos particulares santos que de benfeitoria nada possuem em sua carga de vida, apenas a glória de terem bebericado do veneno nefasto da dor; dor que hoje polvilha as claras evidências dos meus olhos apaixonados que não mais embarcam em balsas de despedidas.
Contentamentos, sussurra uma voz estranha aos meus ouvidos no canto da sala – evidentemente clara; em minha alma: escura – como se um sopro de saudade tivesse varrido para dentro do meu labirinto noturno, sobre a minha cama feita, não mais refúgio do meu corpo, que agora apenas passa as noites longas e pensativas desperto à luz de uma vela espiritual – uma chama de consentimentos que jamais será apagada, pois alimenta-se da substância necrófila da minha consciência efêmera –, as almas do meu único coração dividido, repartido, sintetizado em várias áreas de atuação, assimilando-se a existência de uma fábrica de dores com repartições definidas, um cheiro de lágrimas e vento. E nesses cortejos incansáveis de almas que perpassam em meu interior, vagando entre a promiscuidade da loucura em ser dia, quando tudo simboliza noite – derradeira escuridão de lamentos simplórios amordaçados por letras trêmulas em diários jogados ao mar, preenchido por palavras de areia, apagado a cada beijar de onda em minha praia de lembranças –, tais cápsulas de saudades ingeridas diariamente por minha pessoa em doses absurdamente vulgares.
É meu ópio, assim como tudo que lembra os lábios levemente rosados, a pele marcada por um cheiro de perfume e um aroma indiscutível de conforto, de homem presente, uma barba que nascia com consentimento e se manifestava livre, liberta das não alforrias da sociedade, fazendo-se linda aos meus olhos, dengosa aos meus toques, perfeita em minha memória. Um ópio tão viciante quanto a inegável necessidade de tê-lo em pedaços – ou por inteiro, se de fato for merecedora –, como uma droga putrefata que passou por mutação, tornando-se meu sangue, ocupando cada esquina das minhas veias, locomovendo num sustento viciante o meu corpo quase jazido.
Regresso à infinidade de possibilidades que ainda afogam-se em minha pálida pele, nesse espelho da amargura inquietante que grita ao vento as proliferações da saudade que não mais adormece, asseverando minha doença, a enfermidade dos meus dias ao ter sido separada da mínima noção de existência do meu ninho, do meu ninho-homem-abrigo-refúgio em mim. Tal qual uma canção perdida entre discos de vinil arranhados, empoeirados, e numa partida que não tem fim como nos romances trágicos, prossigo numa jornada que não muda de estrada, que não encontra novos castelos para serem habitados pelo meu corpo cansado, e apenas fico à espera de um sopro divino que enalteça minhas asas de andorinha, eleve-me ou jogue-me (diferença alguma faz) ao céu ou inferno, mas que me devolva a parte essencial da minha existência: ele.

(Faah Bastos)

Um comentário:

  1. Amei de paixão esse texto! Minha bebê sabe. s2

    "eleve-me ou jogue-me (diferença alguma faz) ao céu ou inferno, mas que me devolva a parte essencial da minha existência: ele."

    Perfeito *___*

    ResponderExcluir