segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O VELHO E O DUENDE I (conto parte I)





A estrada não estava tão íngreme como antes. Mas àquela altura o velho estava cansado demais para continuar a andar. A casa estava lá no alto, inerte e mórbida. Parecia jogada às traças, o grande telhado com suas telhas negras a deixava com cara de abandonada. As grandes pedras que sustentavam suas paredes davam-lhe ar de castelo. Ali o velho estava protegido do frio e da chuva. De longe se via que as janelas estavam abertas, eram de madeira gasta e os pregos que prendiam as madeiras já se encontravam com ferrugem. Podia sentir o cheiro da fumaça naquela distância toda e isso mostrava que ali morava alguém. As janelas podiam contar histórias de tão velhas. “Onde será que essas madeiras estavam antes daqui?” – pensou o velho. Mas o caminho ainda era longo e o velho não mais estava agüentando o caminhar diário. Sentia fortes dores na perna direita, o que lhe prejudicava. Ele nunca descobriu porque nem de onde apareceu essa dor, ele dizia que as dores na perna começaram no final da sua juventude. E mais uma vez lá ia ele montanha acima com seu embornal e cajado. Não levava nada demais, só um pedaço de pão e um cantil de água.
O velho reparava todos os dias em tudo o que estava no caminho. Fazia anos que ele reparava que algo estava mudando. As flores estavam cada vez mais raras, com isso os frutos também diminuíram. Ele temia outra geada como no inverno anterior, pois teve que ficar semanas em clausura, pois andar naquela neve era impossível. Tudo tinha sido congelado e os peixes se esconderam o mais longe possível da montanha, aonde a neve não chegava. O inverno cada ano mais longo e o verão sempre mais curto.
O rio sempre cristalino. Peixes nadavam e saudavam o velho que ali sempre passava. Ali o velho nunca havia pescado, eles se tornaram amigos, sempre os aconselhava e os escutavam atentamente a cada história contada. As pedras redondas no fundo do rio transformavam as pequenas corredeiras em instrumentos que compunham canções para que os pequenos peixes dançassem.
- Grinbow... Grinbow! O que houve?
- Não houve nada querido Plershes. Só estou descansando. – diz o velho ao Duende Plershes.
Plershes morava naquela montanha desde quando nasceu, fazia 362 anos. Sua estatura chegava ao joelho do velho. Suas sobrancelhas brancas e grandes quase lhe escondiam os olhos negros. Ele não tinha pêlos no rosto e o nariz era grande e assustador. Suas orelhas eram longas, mas sempre estavam abaixo do chapéu marrom que usava. Sua roupa verde fazia com que ficasse imperceptível em meio à relva. Era viúvo e havia alguns verões que não falava mais da sua amada Querímia. Ela, enquanto viva, tinha um dom muito especial, e contam que uma vez salvou toda uma tribo de nômades. Ela escutava a voz do vento e do tempo e um dia ela ouviu que o vento queria alertar a tribo, pois eles estavam indo de encontro a uma manada de javalis que se encontrava a uma dez léguas dali. Os dois guerreiros mais fortes não acreditaram em Querímia, a tribo escolheu outra trilha para seguir seus caminhos. Depois de alguns dias o vento espalhou a história: os dois guerreiros lutaram bravamente até a morte sem conseguir ferir nenhum javali. Alguns mercadores contam que ainda escutam os gritos dos guerreiros sussurrando pelos bosques. Mas uma coisa que Querímia não sabia era até onde as vozes poderiam levá-la. No dia de sua morte, Plershes confidenciou a Grinbow que sua amada tinha sido levada ao penhasco pelas vozes. Foi a ultima vez que Querímia fora vista. Ela foi dada como morta depois de três verões de intensa procura. Plershes guardava as próprias lágrimas para regar suas rosas cujo carinho era de pai para filhas.  As rosas eram sempre sorridentes.
- Plershes...  – respirou fundo e depois o velho voltou a falar – Acompanha-me o restante da subida?
Plershes nunca deixou de atender um pedido do velho. Eram amigos a vários verões, já estava chegando ao 122º. A casa já não se encontrava tão distante, os girassóis que floriam o ano todo e sempre saudavam o velho quando passava. Nos dias nublados eles se voltavam para onde o velho estava. Diziam nunca estar tristes, pois sempre havia luz para eles. Se referiam não ao sol, dele sempre reclamavam, às vezes lhes queimavam algumas pétalas e folhas. E reclamavam um pouco das pedras, porque refletiam muito calor, e as pedras sempre riam das suas lamúrias. O duende sempre estava com o velho, e os dois conversavam tomando o chá da tarde comendo os deliciosos biscoitos de cogumelos rosa.
A casa do velho era de um tamanho razoável. Quando chegaram, subindo a escada de três degraus, de madeira, perceberam a presença de Nicra, um esquilo, que estava dormindo no banco da varanda. Entrando na casa, os dois viram que tudo estava em seu devido lugar. No lado direito havia uma cama feita de tronco de madeira, de uma peça só, entalhada a mão, ao lado havia uma pequenina mesa com uma moringa de barro com água e um pequeno copo de madeira. No centro da casa, que só tinha um cômodo, havia uma mesa com quatro cadeiras. A mesa sempre estava perto da janela dos fundos para que eles pudessem tomar o chá vendo o pôr-do-sol. O velho sempre deixava suas garrafas de vidro sobre a mesa para que quando os raios do sol as atingissem pudesse proporcionar um agradável reflexo luminoso em toda casa, com todos os tons de cores. O fogão ficava bem no fundo da casa e naquele canto não havia janela. Sempre havia algo sendo preparado nele e na maioria das vezes era o saboroso chá da tarde, que era feito das raízes de pinos marítimos.

(Tody Macedo)

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