quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um tonto olhar


Um ligeiro, um legítimo, um logradouro...
Ainda bem que a menina não mudou tanto
porque eu posso ver ainda a esquina
aquela serena esquina em que te conheci
Você veio com aquela insinuação barata
de que podia guardar em si as minhas memórias
e eu, insensato, te peguei detrás do vidro e te levei pra casa

Ai, quando eu me lembro
que você me corroía os ouvidos com palavras ariscas
e me roubava noites em quiaroscuro
para satisfazer-me com tua voz hedionda e corrompível
Você foi um bem mal
que me acordou todas as manhãs com um grito sufocado
e me transpôs as entranhas com um tonto olhar

Eu me recordo de como embalavas meu ninar
Tecia todos os momentos memoráveis
com um brilho de novidade e destreza
enquanto piscava pra mim,
eu na praia, eu na floresta, eu na montanha
E pude atingir meus recordes
e te digitar o corpo inteiro
antes que me pauses, antes que me fleches, antes que me envies
ai, já sinto saudades...

Quase morri,
quando você mergulhou na negritude
e eu, deseperado, te levantei à luz solar
e você me vomitou ainda palavras de esperança
Prometeu que um dia voltarias a dormir comigo
Mas recaiu, e eu lamentei
com prantos avexados de remorso
querendo cuspir a última gota do achocolatado

E depois,
eu na solidão, na morbidez,
no involúcro do tédio
em que me manchastes
e me apagastes dos teus embalos vespertinos
aqueles mesmos
das redes balançando em recíproca cadência
a rever a goiabeira dos assaltos,
a mangueira dos devaneios,
o cajuzeiro dos sonhos acordados...
Só eu e você

Mas você voltou, ainda que meio alheio
eu te usava como um brinquedinho
e quando me abusava da tal inoperância momentânea
corria com os dedos para outros
você ia na minha cola, eu te ignorando
mas em vão
Sempre fui o príncipe a ser molestado por ti
e a ti sempre retornavas como um mendigo bem alimentado
e te energizei de volta, completo, robusto
tratando-te como meu preferido lítio periódico
ai, já sinto saudades...

E você foi de vez,
onde aqui me faço presente,
onde jaz um elfo livre
Ao seu túmulo,
como as lápides retas e demais enviesadas
plantadas no cerrado para todo o sempre
Eu choro de desânimo,
de exaustão, de vergonha, de impotência...
Se eu pudesse ter te salvado...
se eu estivesse de vigilância constante...

Vai, cuida em ir
na certeza de que não te esquecerei
de que a meu lado sempre te marcarei com uma lança
que manterei intacto o véu de recordações
a que me deixou atribuir teus santos dias
Que me fez sorrir com um condenado
quando triste...
Quanto o estimava,
como um amante...

Dorme com os dementados
e após a queda última,
retome uma nova vida, eterna...
ai, já sinto saudades...

Julio F. Sousa

Nenhum comentário:

Postar um comentário