A vida é uma festa particular para os inconscientes. E ao deixarem de ser assim, se tornam apenas mortos e nada mais. Sou apenas olhos inquietos que observam o não observável. Ando por avenidas na contramão e imploro misericórdia à palavra não escrita. Sou louco, alguns pensam, mas não me importo. Desdobro-me em técnico de coração partido, problemática de fossa, assim, cheio de mecanismos, faço-te sentir o desconhecido. Encosto-me para trás na cadeira colchoada e fecho os olhos, e o meu destino aparece na alma como um precipício. A minha vida passada puxa a minha futura para dançar diante meus olhos que, como supracitados, apenas observam o não mais observável, o fungo que se multiplica como uma doença no canto do quarto, mantendo o cheiro fúnebre dominando até o aroma das minhas rosas. São valsas que não cessam, uma música moribunda que continua a adentrar em meus ouvidos, mostrando-me o quão louco estou, buscando uma completude do que realmente estou disposto a fazer. Sinto-me balouçado na sensação das ondas que invadem a praia do meu quarto e levam-me em tuas águas para o mais profundo dos mares, afogando as lágrimas, envergonhadas, tentando formar desenhos de nuvens em meus olhos.
Graças a Deus, meu bom Senhor, posso perder-me nessa ideia de hoje ainda não ser amanhã, de pelo menos por esses momentos, não ter responsabilidade alguma ou ser o homem do mundo, o indivíduo em constante retrocesso, o neo-humano criando trilhas, rotas de fuga. Sinto esse torpor de sensações, uma inquietude sossegada, tão análogo de repente às lembranças da minha infância propriamente dita, hoje, aqui, relembrada em lapsos memoriais que não mais importam ou justificam essa dor que cresce tão absurdamente nervosa.
Queria ser um cigarro para ser fumado, transformado em fumaça e deixar em teus pulmões a minha doença. Encher teu corpo de maldade, de delinquência. Essas paixões tolas sempre começam românticas a acabam fuzilando o coração mais fraco, o único otário que ainda acreditava nas primaveris gotas de orvalho a escorregar pela pele de dama desconhecida. Boêmio maldito! Pois bem, agora me desprendo dessas inquietudes e nado de volta a praia, morto nessa ansiedade em compreender o vácuo da existência sem inteligência adormecida em seio de donzela. São tentativas mal sucedidas de gritos não produzidos, de beijos esquecidos, de lágrimas de cera, de palavras tortas como a sapatilha da bailarina. O tumulto concentrado dessa minha alma de poeta, de querer sem querer, de gostar de gostar do gosto gostoso de alguém, de fazer filho entre a juventude e amadurecer na encosta da necessidade, assim fica delicioso; ser homem antes do tempo, ser animal evoluído, agora capacho das necessidades do mundo, escondendo em silêncio o coração que desejava mais uma valsa com a possibilidade, a tentativa inocente.
E nessa invalidez da insegurança em ser o que não deveria. Como hei de saber se ser não é ser? Se ser distinto é ser, de alguma forma? Ou o não ser vem a ser algo que não seja o ser? Prosopopeias de uma mente confusa, caminhando entre as suposições questionáveis e as tentativas que chegaram a falhar antes mesmo de serem do papel retiradas, ou da mente – fugitivas.
Não sei qual sentimento, ainda inexpressivo, que vaga pelo meu ser nessas manhãs cheias de agonia, que subitamente, como uma sufocação que me aflige a alma desse gentil sonhador atormentado por perguntas ainda tão confusas em sua mente que vaga, de repente, encontra-se segurando seu próprio coração que não se sabe mais se vive ou espera a glória de dias mais apaixonados, carregados de juras que serão, quem sabe, cumpridas. Não sei, confesso, qual sentimento que me desvia do caminho, que me dá, assim do nada, um nojo louco das coisas que antes me completavam. Essa confusão em atos de peças teatrais tem tirado meu sono. Sinto uma vontade estúpida de nunca chegar a casa, um desejo sem definições, um artigo ainda não determinado, uma neutralidade que me assusta. Essas oscilações entre as estações incomodam, pois tudo se mistura como fruta e água, suco de nume. Um falso ano que nasce, nesse curso imutável da vida, do tempo consequente. Nascer tendo a certeza que um dia deixará de existir, é como acordar em uma cadeira elétrica esperando as primeiras descargas em teu corpo moribundo. Qual a graça em acordar todos os dias, preso nesse ciclo absurdo, fazendo as mesmas coisas, como zumbis predestinados ao retorno à lama; a maldita lama que nos espera.
Alguns momentos, tenho medo dessa minha imaginação que se assemelha com o Arco do Triunfo, vida passando por baixo, sonhos criando raízes por cima. Eu-próprio, à parte e fora da minha imaginação sem antecedentes, correm feito crianças abandonadas nessas estradas cheias de curvas e derrapagens que embriagam a alma de um poeta não mais solitário. Parece tão surrealista essa forma de ver a vida, como caminhar a beira de um precipício sabendo, momento oportuno, um vento mais forte poderá te levar para o sono eterno do corpo material e a libertação da alma poética em teu sopro mais divinal. Tenho medo, confesso, dessa morte sem sentido, desse lapso de tempo que não dá um descanso, não me deixa fixar os pés na terra e me tornar planta. Árvore um dia eu ei de ser. E sobre todas essas sensações que aqui compartilho, acredito então, meu filho, que também as sente, pelo menos é essa parte miserável do banquete que nos restou sobre a mesa vitoriana. E sobre todas as sensações, restou-me a poesia, do ímpeto, do giro, das noites em claro perdido entre dor física e espiritual, não sabendo qual a que mais doía, qual merecia ser primeiro libertada. Sinto meu coração como um albergue sujo à espera daquela que venha limpeza em mim deixar. Por certo, agora, assim, asseguro, que andam limpando até mesmo a prataria esquecida em um canto qualquer. Lágrimas estranhas umedeceram os meus segredos mais estranhos. Mas são coisas como essas que me fazem manter em fogo essa ávida necessidade curiosa sobre a vida que busco compreendê-la enquanto a sinto dia após dia em minha porta bater.
Eu deixei de ser apenas louco para ser poeta. Deixe de ser apenas poeta para também ser homem.
Tenho compartilhado sombras ao longo dessa vida estranha, cheia de repetições, nem sempre bem sucedidas. Estimo, de certa forma, não ser inverossímil nada do que dizem a respeito do poder da minha amada. Não sei bem como vim parar sentado nessa cadeira de balanço, indo e vindo, brincando de passar o tempo, enquanto os bailes de carnaval não cessam as suas marchinhas carnavalescas irritantes. Esse cheiro de conhaque não bebido e cigarro esquecido, causa-me ânsia de vômito. Colocar tudo para fora, das doenças de momentos passados, gotejar meu desprezo sobre a face cínica de fantoches programados que dividem histórias pessimamente contadas sobre vitórias jamais sofridas. São tolos, vos digo sem nenhum receio.
Essa vontade em ser caixeiro viajante tem tomado espaço dentro de mim, viajar pelo universo das coisas, criando histórias, bebendo vinho, anda aumentando meu apetite de menino-homem sonhador. Sabe bem como são tais vivências, certas pessoas esquecem que viajar é sentir, é provar o gosto de fel na boca, entre os lábios ainda amargos da noite mal dormida. É sentir, assim, todos os sabores e ainda preferir o da primeira esposa, como sentir de todas as maneiras excessivamente, afinal, todas as coisas são excessivas, bem digo ser verdade. São os excessos que locomovem a vida, ou acham que a dor não é uma consequência do excesso de muito ou pouco amar? Tenho dito, minhas palavras jamais foram tão verossímeis quanto agora, caro leitor. Sou dono dessa mania de achar verdade até mesmo numa mentira bem contada, oxalá, acredito que sou uma mentira bem plumada, dessa que anda bem vestida, cheia de pompa que ninguém consegue entender em qual ponto deixou de ser verdade, por isso eu sigo sem deixar rastro algum de volta, mas banhando à todos com saudade.
Essa realidade é como uma xícara cheia de conhaque e não de chá, um gosto amargo que desce queimando a garganta desses pobres fiéis desalmados, todos que não compreendem que tudo é tão nítido, cruel e frio, que optamos pela cegueira branca diante os lençóis sujos de noites tão ardentes – muitas ainda nem vividas. Vivemos, senhores, embriagados com essa fúria das almas, o centro de tudo, um egocentrismo tão obsoleto que vaga por entre as incertezas pregadas como dogmas religiosos, científicos ou apenas poéticos; maldito centro que tende as estranhas forças centrífugas que se contorcem entre a psique humana e as alterações sentimentalistas de cordéis despedaçados. São surtos emocionais, muitas vezes, fabricados.
Quanto mais louco for; quanto mais poeta for; quanto mais faces tiver; quanto mais histórias contar; quanto mais segredos criar; quanto mais personalidades adquirir; quanto mais medos obtiver; quanto mais fúria engolir; quanto mais palavras pronunciar; quanto mais unificadamente distante, dispersamente cauto, estiver, sentir, viver, embriagar, trepar e gozar, serei, quem sabe, mais poeta do que ator.
Curioso. Tenho dedicado muito tempo da minha vida a valorizar as pequenices estranhas e coloridas que nascem ou afrontam diante meus olhos. Coisas simples se tornaram sinfonias completas, até mesmo, relatos bem feitos de aventuras que não foram vividas. Essas, sem dúvida, são as melhores, quando nos propomos ler as linhas completas de navegadores, viajantes, historiadores que nem sequer saíram da sua mente fechada para o mundo, que desprezam ações simples e costumeiras, deixando a entender que tudo que é normal, não é interessante. Deve ser por isso que ultimamente todo mundo quer ser diferente, seguir tendências, ser revolucionário quando, na verdade, a única revolução que faz é experimentar novas drogas. Palmas para os homens de verdade.
Eu quero descontruir a minha própria existência que depende de fatores tão estranhos, me cercando ao ponto de sufocar a minha alma de navegante. Permanecer calado, respirando o ar putrefato dos sentimentos empalados por camadas de uma terrível monotonia espalhada pelo quarto, reinando o tic tac desagradável do relógio, anunciando a proclamação dos deuses em meus pensamentos. Uma rajada de dores oblíquas e não processadas, algumas recém-nascidas, como um alguém que nem sempre permanece comigo, todavia em mim jaz eterno, como as lamúrias de uma alma petrificada e adormecida sobre os clarões da incerteza, das verdades mutantes, dos suspiros inconscientes de jovens desnudas que ainda pensam em matrimônio. Tudo assim, dessa forma, tão misturado como angu, como mingau para idoso, sem saborear os gostos picantes da vida, agora apenas esbranquiçados, sem pretensão em se tornar manjar. Essas coisas em que se mete o amor, tirar trem dos trilhos, algumas vezes se torna ausente nos dias, mas ainda, quem sabe, trabalhando arduamente em outro plano de vida, de conquistas. O amor é desses caras malandros, boêmios que nos enganam com suas lorotas de contador de histórias, muitas delas de corações quebrados, arruinados, como impérios antigos. Tenho cá minhas certezas que o amor é bastante tendencioso, sabes, gosta de ser livre, trabalha pra isso, almeja e cutuca a vida por isso. O amor sempre quer ser livre, mais do que os pássaros, os rouxinóis que embriagam nossos ouvidos. Ou até mesmo como a doce menina a se jogar na relva, abrindo e fechando os braços, para se banhar com o orvalho da noite passada. Madrugada gostosa essa de poesia silenciosa.
Ao longe, devido o transtorno é que me acho, assim por dizer, poeta talvez, menino quem sabe, homem por opção, experiência e saudade. Nesse transtorno, só nele estou e nele me esforço para permanecer, essa de certeza em meio à vida, construir definições e paredes não combinam nada comigo. Prefiro o leite do vento, as incertezas incertas e questionáveis, assim expando meu universo particular com muitos: Por quê? Como? Quando? Isso de manter a certeza, sempre segura meus pés, amordaça minha boca e venda meus olhos. Não quero me tornar um cadáver ainda respirando, quero ser morte no desafio e vida nas questões, viver sempre na medida certa não me excita, não faz transbordar minha xícara, não me queima com café, não me faz sentir dor para ter certeza que não estou vegetando e sim desafiando a própria vida. Tenho mania, meus caros, em querer ser pipa e cruzar as nuvens, o céu, esse caldeirão azul. Decerto, ando meio que fascinado pelo emprego de palavras grandes como “infinito”, “imenso”, “universo”, “coração”, etc… Essa vida de escrever sentimentos nos prega certas peças, como se achar homem e na verdade ser poeta; como se achar belo e na verdade ser indefinido; como querer definição e ser vazio. Por isso, vos digo, meus velhos erros se calam e eis que puro estou, rico de tempo, de horas que passam mais lentamente quando percebemos que estamos enganados quanto a nossa realidade e as incompletudes da mesma. Aprofundar-nos assim na alma, deveria ser pecado. Séculos atrás bem que era, muitos foram até guilhotinados. Hoje, meus caros, acredito que a lâmina dessa guilhotina seja a própria palavra quando empregada sem certeza, sem conhecimento, sem sentimento. Sem coração, alerto, não existe valor na palavra, nos dias, na vida. Talvez, por isso, tenho deixado de ser apenas homem, para também ser poeta, libertador de palavras, alpinista de corações, essas partituras de sinfonias já prontas se desfazem perante a minha cadeia sentimental de palavras. Eu? Bem, eu sou a vida, a conquista, a palavra, o momento, o tempo, o amor no espaço, a certeza ainda incerta do certo. Eu, ah, sou apenas poeta.
“Encasulei-me”, disse o poeta em meio a rua da sua simplória casa. “Encasulei-me”. Perdi toda aquela disposição de agente da felicidade, tenho agora cultivado as relíquias milenares das divinas comédias encenadas pelos meus melhores sorrisos, desses que fabricamos em frente ao espelho enquanto estamos sozinhos. Cansei de dar um pouco de mim a cada dia para o mundo, ele bem lá que se vire sem mim. Optei em ser lagarta por um espaço de tempo não definido. Essas idas e vindas (oscilações da alma) desconfiguram meu padrão de sobrevivência, por isso, sou tendencioso ao fracasso interno e aos pressupostos mascarados rotineiramente. Tenho bebido mais de mim e menos do outro, essa história de bebericar do vinho alheio não enche mais a minha taça – confesso: tem permanecido bem vazia ultimamente –, embriagar-me, agora, só com licença para beijar os lábios da minha senhora. Essa iminência da perda de controle, passou a ser neutralizada pelos meus esforços mais sufocantes, cujos ecos continuam flutuando ao meu redor. Tudo se reduz a uma insônia constante. Não consigo escrever quando acordo em meio a noite; não consigo voltar a dormir; não respiro com facilidade, porque busco o sono com uma sede tão doentia ao ponto de perder vastas horas de calmaria em uma desordem caótica. Permaneço, por fim, sentado em uma cadeira qualquer entre a escuridão do quarto e a luz da lua que ousa brilhar quando menos necessito dela, a ter pensamentos vazios de tudo, cheios de nada, jazo, cadáver atordoado que não tem os olhos repousados, perdendo-se em sonhos, desejando mundos-tantos-outros-perdidos.
Enquanto o mundo anuncia seu amanhecer, o nascer de um novo dia – para mim permanece o mesmo, somente com suas nuances entre o escuro e o claro, a morte derradeira de uma alma que acordou no segundo que veio a falecer sobre a beira de um lago de lamúrios derramados como vinho por taças a mais naquele salão, hoje, perfidamente vazio, abandonado –, observo em perfeito silêncio, o dançar monótono das coisas que me sucederam, transtornadas, conduzem-se entre passos ritmados, em embalos sinfônicos de uma respiração cansada do mundo, sufocante, procurando aprisionamento que a afaste da sensatez de ser apenas homem. Ópio em ser um poeta qualquer, não apenas eu, não apenas seu, não apenas ser, mas sentir, ter, comer, trepar, gozar, morder, lamber… Gritar ao mundo, que tanto desprezo, as necessidades que não se calam em meu peito, correm ensandecidas pelas ladeiras do amor, atropelando o romantismo que anda de mãos dadas com a sensatez.
Foge de mim até mesmo a energia para acender um cigarro, beber um pouco de conhaque, então, permaneço olhando para a parede do quarto, como se observasse o universo contido apenas ali, culpando-me por todos os erros meus, seus, deles, do mundo; contracenando com a própria partida saudosista dos fantasmas que teimam em julgar as dores cicatrizadas como veneno presente nas veias do futuro próximo, presente que se vive. E lá fora permanece assim, nesse silêncio de mundo tolo, de mentes que não pensam, de corações que não palpitam, reduzidos apenas a desenhos perfeitos de um órgão que somente bombeia, mas não sente. Maldito silêncio absoluto, de um todo, de um suspiro incontido, de passos que vagueiam com jornada definida, sem mistérios, sem roubos, sem palavrões, sem sexo sentido na alma, nas mordidas, nas penetrações violentas enquanto geme deliciosamente um eu te amo com veracidade, desejo, eternidade. Tudo fica incerto, dividido. O mundo com suas correntes, grilhões de poesia, limitações dos versos. Eu, aqui contigo, sendo boêmio, moleque, defunto sacana, poeta de poucos, sem rumo, sem história, sem futuro, criando um novo mundo dentro da minha, da única… mulher por mim amada.
Deveria ser uma morte, meus amigos, mas é apenas um monólogo.
Por: Faah Bastos
Sou apaixonada esse desabafo.
ResponderExcluir"Eu? Bem, eu sou a vida, a conquista, a palavra, o momento, o tempo, o amor no espaço, a certeza ainda incerta do certo. Eu, ah, sou apenas poeta."
Me mata de orgulho a minha bebê linda.
Muito foda esse monólogo meu caro .. bastante visceral!!
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