sexta-feira, 1 de junho de 2012

Vadias ou não vadias – meandros de uma ‘’boca suja’’ ou de uma cultura machista?



Como toda boa história, iniciar com “era uma vez” também é preciso para entender os pormenores de como uma palavra nos é intrinsicamente posta e de como esta pode mobilizar e fragmentar. Assim, tudo começa com um instinto selvagem, que depois, à luz da razão, ganha cores, roupas e atribui valores a diferenças sexuais entre pessoas com mentes iguais.
Cada ser, subjetivo em essência, produz internamente uma racionalidade de acordo com o seu ambiente de interações sociais. Seja na família, na rua ou nas instituições, nosso pensamento e formações identitárias são resultados do que nos é colocado como predominante na balança do certo e errado, e da maneira como questionamos dentro de nós tais aspectos.
Agora, voltando ao inicio da história, era uma vez moças chamadas de Amélia que ficavam em casa tendo que fazer comida boa, se ocorria alguma briga, era feio alguém meter a colher e ai delas se falassem, pois lá vinha mais papinho de mulher que não sabe o que é amar. Suas diversões se limitavam a grupos de boas moças e hoje, já podem se dar ao desfrute moderno de sair sozinhas e beberem, mas pouco, pois é feio mulher bêbada, e se sairem de saia ou vestido curto (que desvairadas) querem ser estupradas e putas lhe cabe a denominação, agora, se forem utéis para mídia, não há problema, pois todos gritas vivas à sociedade das mulheres frutas!...
OPA!! Calma, alguém troca a bateria, que a luz da racionalidade está quase de partida! Essas falas são do cotidiano popular, nas quais não importa o certo e errado de éticas e postulações legais, mas o certo e errado que nossa cultura enraizadamente machista nos traz.
Uma palavra, um gesto e toda a interpretação dos demais sobre isso remete à que sexo me pertenço e me defino. Vadiar masculinamente traz a figura do malandro, homem esperto e com charme a transportar. Entretanto, para a mulher é feio, sujo, é não ter dignidade e respeitar as demais mulheres. Mas por que é feio? Quem disso isso? Por que para um é bom e para outro é mau?
Não é questão de manter uma boca limpa e a boa imagem feminina para sociedade, mas entra em cena a base social, costumes e valores que herdamos de nossos pais, meios de comunicação e de uma sociedade que tem o sujeito masculino como centro da imagem ideal de reprodução social (homem denominado como chefe da família, mesmo quando é a mulher que sustenta financeiramente e afetivamente) e de reprodução sexual (é a mulher que gera vida, mas é o homem que pode ser livre para exercer sua virilidade e escolher o que fazer ou não fazer com seu corpo).
Antes de ser uma questão de sexualidade e de nomes bonitos ou feios, é uma questão cultural e de desigualdades construídas ao longo da história da sociedade. O diferente chama à diferenciação e é mais prático culpabilizar um individuo por sua condição de desigualdade do que analisar o que se encontra à sua volta. A cada mulher que se autodenomina vadia, veja o que está para além do aparente verbalmente para não cometer o erro de responder com violência a violência moral e social que já é posta diariamente no ser mulher.
Não deixe que as falas já contadas tantas vezes em tantas histórias se repitam em sua boca. Falar de luta feminista é falar de luta histórica contra costumes que dualiza tudo em dois sexos, enquanto que o que define são nossos cérebros. A mobilização contra desigualdades de gênero vêm para questionar valores colocados de forma natural que reproduzimos e acabamos agredindo a nós mesmos. Essa história atual não é vadiagem, não é promiscuidade, mas de liberdade e equidade, seja o nome que lhe for dado.

Suzianne Santos

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