Como toda boa
história, iniciar com “era uma vez” também é preciso para entender os pormenores
de como uma palavra nos é intrinsicamente posta e de como esta pode mobilizar e
fragmentar. Assim, tudo começa com um instinto selvagem, que depois, à luz da
razão, ganha cores, roupas e atribui valores a diferenças sexuais entre pessoas
com mentes iguais.
Cada ser,
subjetivo em essência, produz internamente uma racionalidade de acordo com o seu ambiente
de interações sociais. Seja na família, na rua ou nas instituições, nosso
pensamento e formações identitárias são resultados do que nos é colocado como predominante
na balança do certo e errado, e da maneira como questionamos dentro de nós tais
aspectos.
Agora, voltando ao inicio da história, era uma vez moças chamadas de Amélia que ficavam em casa tendo que fazer comida boa, se ocorria alguma briga, era feio alguém meter a colher e ai delas se falassem, pois lá vinha mais papinho de
mulher que não sabe o que é amar. Suas diversões se limitavam a grupos de boas moças e hoje, já podem se dar ao desfrute moderno de sair sozinhas e beberem, mas pouco, pois é feio mulher bêbada, e se sairem de saia ou vestido curto (que desvairadas) querem ser estupradas e putas lhe cabe a denominação, agora, se forem utéis para mídia, não há problema, pois todos gritas vivas à sociedade das mulheres frutas!...
OPA!! Calma, alguém
troca a bateria, que a luz da racionalidade está quase de partida! Essas falas
são do cotidiano popular, nas quais não importa o certo e errado de éticas e
postulações legais, mas o certo e errado que nossa cultura enraizadamente
machista nos traz.
Uma palavra,
um gesto e toda a interpretação dos demais sobre isso remete à que sexo me
pertenço e me defino. Vadiar masculinamente traz a figura do malandro, homem
esperto e com charme a transportar. Entretanto, para a mulher é feio, sujo, é não
ter dignidade e respeitar as demais mulheres. Mas por que é feio? Quem disso
isso? Por que para um é bom e para outro é mau?
Não é questão
de manter uma boca limpa e a boa imagem feminina para sociedade, mas entra em
cena a base social, costumes e valores que herdamos de nossos pais, meios de
comunicação e de uma sociedade que tem o sujeito masculino como centro da
imagem ideal de reprodução social (homem denominado como chefe da família,
mesmo quando é a mulher que sustenta financeiramente e afetivamente) e de
reprodução sexual (é a mulher que gera vida, mas é o homem que pode ser livre
para exercer sua virilidade e escolher o que fazer ou não fazer com seu corpo).
Antes de ser
uma questão de sexualidade e de nomes bonitos ou feios, é uma questão cultural
e de desigualdades construídas ao longo da história da sociedade. O diferente
chama à diferenciação e é mais prático culpabilizar um individuo por sua condição
de desigualdade do que analisar o que se encontra à sua volta. A cada mulher
que se autodenomina vadia, veja o que está para além do aparente verbalmente
para não cometer o erro de responder com violência a violência moral e social
que já é posta diariamente no ser mulher.
Não deixe que
as falas já contadas tantas vezes em tantas histórias se repitam em sua boca. Falar
de luta feminista é falar de luta histórica contra costumes que dualiza tudo em
dois sexos, enquanto que o que define são nossos cérebros. A mobilização contra
desigualdades de gênero vêm para questionar valores colocados de forma natural
que reproduzimos e acabamos agredindo a nós mesmos. Essa história atual não é
vadiagem, não é promiscuidade, mas de liberdade e equidade, seja o nome que lhe
for dado.
Suzianne Santos
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