quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Dionisíaco


"Do sorriso desse Dioniso nasceram os deuses olimpos, de suas lagrimas os homens"
Nietzsche
            As gargalhadas fortes, os gritos abafados, a pequena correria, o som de música e a conversa fiada. Uma festa esta repleta de estímulos e distrações, porém a atenção da brincante e festiva pessoa estão torpes, os estímulos são cada vez menores, o corpo se balança desengonçado, o caminhar tornou-se um cambalear, o estomago está embrulhado. Os litros do precioso líquido, que a tudo facilitou nessa noite de farra, é regurgitado fazendo surgir no chão uma lodosa poça de bile e álcool.
            O se divertir dês da Grécia antiga é associada à bebedeira, orgia, êxtase e festividades, pois no culto do deus Dioniso, toda a animalidade humana podia ser expressa, o deus dos vinhedos possuía o poder embriagador do extrato da uva, mas também suas influências benéficas e sociais, chegando a ser considerado o promotor da civilização, legislação e apaziguador (Bulfinch, 2006). Para Nietzsche, Dioniso representa o "homem primário" e seus seguidores abandonam a linguagem e a identidade própria para adentrarem em uma dança extática, sendo suas ferramentas - a música e a intoxicação - proporcionador de um "êxtase coletivo místico" (Gane, 2006).
            Esse poder dionisíaco gera o aniquilamento "das fronteiras e limites habituais da existência, contem (...) um elemento letárgico, em que submerge tudo o que foi pessoalmente vivido no passado" (Nietzsche, 2007A, p. 9), ou seja, o vicio do drogadicto é um distanciar de si mesmo, é uma tentativa de fuga dos limites de sua existência, seria "o beber para esquecer os problemas" ou uma angustia, um mal estar para com as suas vivências decorrentes da sua historicidade, aqui temos o habito de se embriagar para diminuir o contato e proximidade, seja com sigo ou com as situações a sua volta, como se refere Angerami-Camon (2003):
O adicto é uma pessoa que, na quase totalidade dos casos, está entregue a condição existenciais nas quais a destrutividade não aceita nada mais que não a própria destruição. Vincam em sua vida níveis sombrios de perspectivas existenciais, que, além de destruir, nada projetam que não essa mesma destrutividade. Assim, os amigos, os locais que freqüenta, os hábitos cotidianos e outros tantos detalhamentos serão, enfim, ligados à drogadcção. É um circulo que, além de encerrar-se em si mesmo, torna muito difícil e até mesmo abismoso a busca por caminhos libertários (p. viii).    
            As ilusões provenientes desse êxtase dionisíaco levam as pessoas, a se perderem no labiríntico caminho do vicio, esquecem-se de si mesmas e tornam-se dominadas pela embriagues, seu cotidiano é impregnado do alcalino hálito e odor etílico, as pupilas rubras, denunciam a face por hora cansada, que anteriormente se evaporava de prazer no dissipar da branca fumaça, mas Dioniso não significa apenas a anestesia ele é " o abismo da diluição passional, onde toda a singularidade humana se dissolve na divindade da alma animalesca primordial. Trata-se de uma experiência ao mesmo tempo abençoada e terrível" (Jung, 1990, par. 118). A embriagues é uma "forma de possessão imediata e perigosa" (Jung, 1990, par. 182) que se desligou dos deuses e envolveu o mundo dos homens em seus próprios excessos e paixões.
            Para Nietzsche (2007B) a aceitação de si, dos seus problemas e do que há de mais estranho em nós, a capacidade de adorar a vida em sua espontaneidade e com alegria, percebendo que a mesma possui seus sacrifícios e que isso não impede os sujeitos de serem apaixonados pela sua existência, também é papel do dionisíaco. Então, o se entregar passivamente a qualquer efeito de substâncias tornou-se hoje um possível resgate de contato com o dionisíaco prazer de cultuar o belo da vida, a juventude desse deus pagão, duas vezes nascidos, com um momento de tristeza e outro de glória é a alegoria impar para mostrar, a contemporânea relação das pessoas, que na sombra de efêmeros e falsos sabores de alegrias químicas, deixam de existir e alegrar-se com as suas existências para se entregarem aos cantos dessas sereias e gradativamente definharem no seu fluido, úmido e por vezes vaporoso mundo de ilusões.
 Referências
Angerami-Camon, V. A. (2003). A psicoterapia diante da drogadicção: a vida nos drogados. São Paulo: Thomson.
Bulfinch, T. (2006). O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e herois. 34ªed. Rio de Janeiro: Ediouro.
Gane, L. (2006). Apresentando Nietzsche. Rio de Janeiro: Relume Dumará
Jung, C. G. (1990). Psicologia e Alquimia. 2ª ed. Petrópolis: Vozes. (Obras Completas C. G. Jung; v. XII)
Nietzsche, F. (2007A). O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras.
__________. (2007B). Ecce Homo. Porto Alegre: L&PM. 

(Pedro Victor Modesto Batista)

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