terça-feira, 22 de outubro de 2013
Pontos do teu corpo de ontem
Tratavam-se de pontos.
Pontuava as coisas como se tudo encerrasse ali
tal qual um salto cravado de ginasta
embora sempre errante.
A verdade é que o seu ponto marcava o meu dia
chegando lúdico e intenso como um cometa visto de uma praça
e me tocava através das fissuras dessa armadura fajuta.
Pontuava-me como o dia pontua o horário da noite
e a noite, sempre ávida pelo escuro infinito,
saiu a contragosto para dar espaço ao dia
que chegava sem pontos, sem horários e confusamente aberto.
Suspirante, dizia-me silenciosamente que não havia
ponto algum e que a noite poderia chegar a qualquer momento,
talvez bêbada.
As suas vírgulas bonitas paralisavam os meus beijos
Que se transformavam em sorrisos esparsos
e aquela sua interrogação-para-si estancava algo em mim.
Fitava o meu olhar naquele cometa de letras de outrora e que, ontem,
encorpou-se em desejo.
O seu corpo segue a mesma ordem da conjugação das suas palavras
e a afirmação dos seus olhos me fizeram escrever
esse texto incompleto e propositalmente com sabor de ontem.
De quem engoliu, por pressa, os pontos e devolveu-me as vírgulas
todas fora do lugar
Posto que ainda toquei o teu o corpo quase-feito-menino-novo
como se, ainda no jardim da infância, aprendesse a esboçar uma letra ali.
Sou escritor de outras épocas
infantil, incrédulo e firmemente vacilante
descrever-me é impedir que chegue mais
e sei que não chegará
porque encontrei um ponto teu perdido
e coloquei aqui, nesse final.
Lourival de Carvalho
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