segunda-feira, 27 de junho de 2011

Praças dos Povos e das Poesias



Lembro-me de uma aula que assisti no meu primeiro semestre de universidade. A disciplina era Antropologia Cultural, do curso de História. "Pagava" aquela matéria como complementar ao curso de Direito. Por conta disso, muitos conceitos e discussões eram confusos e estranhos a mim, nem sempre conseguia entender os debates como um todo. Um desses conceitos era a idéia de não-lugar. Lembro-me que um exemplo dado de não-lugar era a praça na atualidade. As praças, hoje já construídas sem bancos, sem lugares de sociabilidade, seriam um não-lugar por já não haver relação com as pessoas, as pessoas passariam indiferentes. Não sei se a ideia é bem essa, mas foi assim que ficou na minha cabeça.

Essa idéia da praça como não-lugar me voltou à tona nos últimos tempos. Felizmente, só me veio à tona com as manifestações nos países árabes e nos países europeus. As ruas sendo tomadas pelo povo, reivindicando novos governos, novas políticas, novos jeitos de viver contrapondo-se à velha política elitista, ao velho sistema capitalista, à velha forma deturpada e falsa de democracia. Sendo as ruas esse canal de manifestação, a praça (re)aparece como o lugar, por excelência, de encontro dos povos, de discussão, de decisão, de luta por direitos.



Mas essa retomada da praça como símbolo de luta por democracia não se restringiu ao Velho Mundo. Não precisamos ir longe: as movimentações do #SosUESPI, mais do que a internet, procuraram as ruas e as praças. Praça da Liberdade(!), Praça Pedro II, foram alguns dos locais em que estudantes, professores e técnicos comprometidos com a educação, se encontraram para unir forças em suas lutas. Pelo Brasil afora, as Marchas da Liberdade, da Maconha e das Vadias, os protestos contra o aumento da passagem de ônibus, em um momento ou outro, se encontravam nas praças, físicas e virtuais. Exigindo, discutindo e construindo Direitos. Nada mais poético do que isso. Direito ao teto, ao pão, à liberdade e, também à poesia.



Já diriam os titãs, a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. E saída pra qualquer parte, bebida, balé, a vida, como a vida quer. E se estamos sendo privados de comer, de beber, de nos manifestarmos, o que diremos do direito à arte, cultura? Não que os governos sejam os produtores, por excelência, de cultura. Pelo contrário, quem faz cultura é o povo, de diversos jeitos e diversas formas. Ocorre que os governos e as imposições individualistas, mercantilistas e competitivas restringem e cortam, cotidianamente, nossas possibilidades e nossos estímulos para produção cultural.



Entretanto, felizmente, sempre há braços! E dessa forma, ainda que com todo o descaso do poder público com a cultura, pessoas, grupos, fazem arte - da forma mais artesanal possível. Da forma mais sofisticada, sem forma alguma, ou de todas as formas – independentemente, autonomamente, produzindo e dando o exemplo e o convite. E mais uma vez não precisamos ir muito longe. Basta nos lembrarmos, novamente, da Praça Pedro II, aqui, em Teresina. Não sei bem porque aquele professor usou a praça como exemplo de não-lugar, mas certamente se ele tivesse aparecido por aquela praça, sexta-feira, dia 17 de junho, ele não mais usaria esse exemplo.


A Sociedade dos Poetas por Vir, grupo sem estatutos, sem leis, sem restrições, aberto, realizou o I Sarau dos Poetas Porvir naquela praça. Sem intencionar lucro, auto-promoção, ou qualquer outro motivo que não fosse a socialização e a produção coletiva de cultura, o Sarau foi divulgado apenas de boca-a-boca (e tecla-a-tecla, principalmente) e foi interessantíssimo.


Mesclando música e poesia, as pessoas, voluntariamente, levavam, liam e declamavam seus escritos, ou de outros . Alguns até faziam poesia ali, na hora. Parabéns a todos que construíram esse espaço. A cultura se faz assim, sem precisar esperar por governo, patrocínio, ou ingressos vendidos. Importante, claro, que todos sejam valorizados, financeiramente, mas quando o financiamento vira objetivo principal, não se faz mais cultura e sim, mercadorias.


Por fim, essa postagem é pra reconhecer e registrar a esperança de que muitos saraus estejam por vir. E que todas as praças sejam locais de encontro, pra lutarmos não só pelo pão, mas pela poesia - já dizia aquele revolucionário.


E pra terminar, uma poesia de Castro Alves, poeta que lutou pela liberdade (nada mais significativo), cujo nome também batizou uma praça em Salvador, Bahia – praça essa, palco de várias manifestações.


O POVO AO PODER
“A praça! A praça é do povo
Como o céu do condor
É o antro a liberdade
Cria águias em seu calor
Senhor! pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...”
Castro Alves

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