quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

ÊXTASE


Eu conheci uma vaca sagrada, que conhecia o conhecido;
Eu conheci um sabiá, que conhecia o conhecido do conhecido;
Eu conheci um poeta, que poetou sobre a vaca, encantou com o sabiá; que sentiu o sentir de quem sentia;
Eu conheci um ente que conhecia o conhecimento.

Eu conheci cobra coral, tapindaré e o saci, que conheciam o conhecimento da mata;
Eu vi um ser que sabia o saber
Eu vi um cantador que encanta a dor; um ator que imita a dor e o amor;
Eu conheci o curador, que cura a dor e ensina o amor.

Eu conheci o segredo do segredo,
Eu conheci o medo do medo;
Eu conheci as pedras, que conhecem as pedreiras,
Eu conheci pedras que não são só pedras;

Eu conheci o leitor, que lia mestres e aprendizes,
Eu conheci o dono das pedras,
Eu conheci o caçador, que conhecia o dono da caça que caça o caçador;
Eu conheci o assuntador que assunta, que assunta a si mesmo e o outro no mundo;
Eu conheci cantos de pedras, contos em pedras e encantos nas pedras.

Eu conheci a mãe que conhecia a mãe-dágua,
que banha em suas águas,
que protege as nascentes,
que rege as águas do mundo e as águas minhas e suas,
que banha a vida.

Eu conheci o sábio, que conhecia a vaca sagrada, que conhecia o sábio;
Eu conheci a sabedoria que compreende a vaca, que compreende o sábio;
Eu conheci o ente que conhecia a si mesmo, que conhecia o conhecimento,
Que sabia que sabia,
Que sabia saber.

Eu conheci a cigana que conhecia a dona do vento,
que deu força à tempestade,
que soprou o pó,
que soprou a mata,
que soprou o fogo,
que soprou a vida

Eu conheci o velho, que conhecia a dona da lama,
que formou a liga,
que moldou a louça,
que emendou pedaços,
que ressignificou o corpo,
que refez a vida.

Eu conheci a criança, que conhecia uma criança,
Que conversava consigo mesmo,
Que se olhava a si mesmo,
Que escondia de si mesmo,
Que procurava a si mesmo,
Que conhecia a si mesmo.

Eu conheci o ser comum, que conhecia o sábio, que conhecia sabedoria;
Que conhecia a paciência;
Que conhecia a infância, a juventude e a velhice,
Que conhecia o tempo,
Que conhecia os ventos,
Que conhecia as águas,
Que conhecia a terra e a lama,
Que conhecia o fogo,
Que conhecia as matas e o dono das matas,
Que conhecia os bichos,
Que conhecia o homem,
Que conhecia sabedoria, que reconhecia a sabedoria.

Eu conheci a moça, que conhecia a dama,
que conhecia a noite e o dia,
que conhecia a partida e a chegada,
Que conhecia o caminho da ida e o da volta,
Que conhecia a saída e a entrada,
Que conhecia a esquina e a encruzilhada

Eu conheci o velho, que conhecia o ancestral, que conhecia a sabedoria
Que fez o mundo e o significado do mundo,
Que moldou a África Negra, a filha da África e a África do negro,
Que fez os Orixás,
Que fez a humanidade,
Que fez os bichos, as matas, os insetos,
Que fez as águas, a poeira, o pó, a lama e a terra firme,
Que fez o movimento das coisas, dos homens e dos bichos,
Que fez a vida.

Eu conheci homem, que conhecia outro homem, que conhecia a morte
Que exterminava criança negra sem conhecer infância,
Que ceifava jovem negro sem viver juventude,
Que matava homens e mulheres, que não criaram filhos
Que calava sonhos e fazedores de sonhos
Que intentou contra a África Negra, a filha da África e a África do negro,

Eu conheci ancestrais, que conhecia ancestrais, que conhecia ancestrais,
Que ensinou um credo, uma ginga e uma mandinga,

Que crê em Olorum, princípio criador; nosso Deus Supremo, Senhor de todas as coisas; criador do universo; criador de todas as coisas materiais e imateriais: criador da terra, das águas, dos ventos, do fogo, das matas, das pedras; Criador dos Orixás Sagrados.

Que crê em Oxalá, Pai dos Orixás e nosso Pai Maior, criador e Senhor regente da Sabedoria de Orum (céu) e de Ayê (terra); regente no céu e na terra; fonte de luz, amor e paciência; criador de nossas nações humanas, dos bichos, dos vegetais, dos minerais e dos insetos;

Que crê em Iemanjá, Grande Mãe. Mãe dos Orixás e nossa Mãe Maior; Divindade regente das águas dos Mares.

Que crê nos Orixás, entes divinos encantados nos fragmentos da natureza e regentes de suas forças e de suas manifestações no universo, na terra, nas águas, nos ventos, no fogo, nas matas, nas pedras, nos seres humanos, nos bichos, nos vegetais, nos minerais e nos insetos;

Que crê na influência de nossos Ancestrais sobre nosso sentir, pensar e agir no mundo;

Que crê nas religiões de matrizes africanas, que nos deixaram o legado de nossa ancestralidade;

Que crê no Axé, Lei, Força e Poder, que permite a realização da vida; que assegura a existência dinâmica; que possibilita os acontecimentos e as transformações; e a realização sobre coisas ou pessoas; que nutre a paz, união, amor, felicidade, sucesso, harmonia entre nós e com OLORUM.

Que crê nas forças e energias da Mãe Natureza, que nos permitem as construções das coisas materiais; a produção dos nossos alimentos de cada dia, as acomodações de nossas moradias;
Que crê na capacidade positiva de realização dos seres humanos, na edificação do Bem e da Justiça, na evolução social e na sua humanidade;

Que crê que os negros e as negras nasceram sob as vibrações dessas forças,
Para serem crianças, quando forem crianças,
Para serem jovens, quando estiverem jovens,
Para serem guerreiros e guerreiras,
Para serem velhos e sábios,
Para serem livres,
para serem felizes,
para fazerem história, ser história e tê-la em seu favor.
Para ser e viver negro.
Para a vida.

Que seja assim no dia de hoje!!! e sempre!!! e sempre!!!
Salve a consciência da comunidade negra!!!!!!!!!!!!!!!!

(Áureo João)

Um comentário:

  1. A força e beleza da cultura negra resume-se nessa poesia, lindo canto de manifesto.

    ResponderExcluir