sábado, 4 de dezembro de 2010

O ASSUNTADOR – poema, poesia e filosofia.




1.

Assuntar assenta em assuntar-se, em conjugação reflexiva pura;
É assentar em si mesmo, sobre e dentro de suas entranhas visíveis e naquelas não visíveis,
Para captar as manifestações e expressões extravasadas e os discursos silenciados e os dissimulados;
É perceber o corpo físico, o vital, o emocional, o mental, o intelectual, o astral e o espiritual manifestos em seu universo particular, íntimo pessoal;
É caminhar em si até sentir medo da estranheza de si mesmo e irreconhecer lugares, virtudes e ausência destas, nunca antes observados, nem declarados de sua pertença própria. 2.
Assuntar é uma conspiração em si mesmo,
É penetrar nas dimensões da direita e do avesso, assuntando-se, auscultando-se;
É dissecar o amor que sente e o ódio que manifesta, seja na qualidade exposta para fora de si, seja naquela expressão reservada de sua interioridade exclusiva;
É percorrer em si mesmo até reconhecer porque ama e como ama; porque odeia e como odeia;
Inclui ancorar na dimensão de seu amor até então desconhecido, mas também comporta em penetrar e reconhecer as dimensões da indiferença e dissimulações sobre as manifestações de seu ódio;
3.
Assuntar comporta mergulhar no amor do outro, sem se deixar contagiar de sua manifestação particular dele;
É sentir como o outro sente o amor que é seu, por aquilo que lhe faz amar;
É reconhecer porque o outro ama e, especialmente, como ama e os fundamentos da expressão de seu amor;
Comporta cuidar do seu amor particular e universal, do outro, com o saber cuidar que é, também, de seu particular do outro;
Suporta cuidar do amor do outro, sob o fundamento do outro e o cuidado que lhe é singular; que é de sua identidade, sem fundir-se nem confundir-se com o outro.
4.
Assuntar é encostar-se no ódio do outro, sem nutri-lo nem amenizá-lo;
É compreender as vibrações que enraízam no ódio do outro e as dimensões em que se realizam;
É reconhecer a causa que ativa seu ódio dele e o torna irreconhecível à rasa racionalidade humana;
É reconhecer, sob o fundamento do outro, o que lhe conforta e lhe ameniza o ódio que lhe acomete;
É pensar, sentir e auscultar o ódio do outro como se fosse ele mesmo em atividade de assuntar-se assuntando-se, em pura conjugação reflexiva e empática. 5.
Assuntar é conhecer a si mesmo, pelo direito e pelo avesso;
Em sendo uma galinha, sabe-se galinha, em suas dimensões e manifestos autênticos e em suas dissimulações;
Em sendo uma águia, sabe a si mesma águia, quando verdadeira e verossímil, não mais nem menos que a galinha que conhece a si mesma inteira;
Em sendo sábio, conhece a si mesmo primeiro, ainda que inconcluso sempre, antes que lhe seja requerido conhecer uma galinha e uma águia tal como para si mesmas;
Fora desta conjugação de assuntar assuntando-se, o sábio ignorante, a galinha e a águia são apenas e igualmente bichos importantes, que comem, bebem, dormem, reproduzem, sem saber o fundamento de si nem o propósito primeiro e último do seu ser e do seu fazer no mundo; 6.
Assuntar é uma Bela Arte em movimento e exercício que se conjugam no artífice assuntador, que é assuntador de si mesmo, que é assuntador do outro, que é assuntador do mundo, há um tempo só;
Põe-se perante Deus e reconhece as faces de Deus, seus atributos e seus propósitos, se for mesmo Deus o ente à sua mira;
Mira os olhos do Diabo e capta o intuito de sua benevolência e sua malevolência, se lhe for apropriado o atributo e significados, ainda que não se apresente Diabo; reconhecerá seu criador, seus símbolos, seus poderes e suas funções no mundo concreto e no imaterial;
Dobra-se diante de si próprio e capta o ser que é mas não quer ser; o ser que quer ser mas não o é, e o ponto de encontro de seu movimento em si mesmo;
O assuntador não teme a Deus, nem ao Diabo, nem ao outro, nem a si mesmo, porque ausculta cada um destes, porque os distingue, porque não confunde seus atributos, suas evidências, seus propósitos, suas identidades, quando os têm e quando lhes faltam; e quando lhe convém. 7.
Assuntar implica perceber cada lugar em seu lugar, enlaçado a um tempo e a seus movimentos singulares;
Se o lugar é o mato, com os bichos e os entes da natureza, então assuntar comporta conhecer os astros, interagir com a terra firme e a lama, auscultar a direção dos ventos, compreender as forças das águas, respeitar o poder do fogo, sentir as vibrações das matas e a comunicação de seus regentes;
Se o lugar é entre os humanos e seus inventos, assuntar conjuga observar e compreender os fundamentos e as intenções de seus discursos objetivados e silenciados; discernir a elaboração de seus pensamentos; sentir seu coração; compreender a conduta de suas atitudes e o fim último de seus objetos e seus significados.
Se o lugar é seu lugar, assuntar se realiza em tomar a si mesmo, predicado nas suas relações intrapessoais puras e na conjugação das relações com o lugar-mundo de ninguém, com o lugar-do-outro e com o não-lugar, e não se perder de si mesmo entre os mais;
Se o lugar é o lugar do outro ou o outro próprio, assuntar se efetiva, profunda e sutilmente, em distinguir quem é e o que é cada ente e lugar singular, mas também suas interseções e exclusões;
8.
O assuntador não é, necessariamente, generoso ou algoz;
O assuntador é porque se fundamenta assuntador;
Conjuga-se atributo do vil algoz, se algoz;
Conjuga-se atributo do digno generoso, se o for;
O assuntador é o que sabe assuntar; assuntar-se e sabe-se assuntante, auscultante em processos dinâmicos, contínuos e permanentes; é um ente que come sua comida, bebe sua bebida, dorme ou deixa de dormir ao seu modo, reproduz e produz consciente das condições que o faz; sabe o fundamento de si e o propósito primeiro e último do seu ser e do seu fazer no mundo. ... ... ... ... ...
Dedicatória a um Mestre.
Desde que fiquei sabendo da enfermidade ocorrida ao Professor Puscas, bem como de sua resistência à adversidade que lhe desafiou, fiquei emudecido sobre o assunto. Eu não tinha algo a lhe dizer, nem a lhe perguntar. Eu não tinha elogios a lhe fazer, em face do antigo corpo mais pesado, nem sobre o novo corpo mais leve, nem sobre o fumo, nem sobre a cachaça. Eu não sabia o que lhe dizer sobre sua militância na universidade, nem sobre seu momento de repouso pleno no leito do hospital e/ou em leito domiciliar, nem sobre seu retorno às lutas cotidianas. Eu apenas assuntei.!!! Assuntei sobre a grandeza de humanidade do Mestre Puscas; da sua capacidade de assuntar a si mesmo, de assuntar os outros e aos outros; de assuntar o mundo, sempre digno e generoso, sem temer a Deus, nem ao Diabo, nem aos outros e nem a si mesmo, porém sábio em distingui-los em suas identidades, em suas faces, em suas origens, em suas histórias e em seus propósitos no mundo.
É um grande assuntador. É um Mestre.
Dedico a meu Mestre Puscas um poema que acabo de “psicografar”: O ASSUNTADOR – poema, poesia e filosofia, como um gesto assuntado apreendido. Em repouso e em movimento, que a leitura seja de bom grado ao Mestre.

(Áureo João)

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