terça-feira, 19 de junho de 2012

Dois dias


Pôr-te em moldura de concreto armado
E arrancar o aço do seio do teu coração
Destruir todos os relógios do mundo
Como se Deus tivesse criado a engrenagem
E o amor destruído o tempo e a razão...

Como te amar pra sempre se foges de mim
Se transfigura a minha face, as minhas atitudes
Se decepa assim cada sentimento?...

Quisera eu ter te amado antes de tantas feridas
Quando teus sonhos e objetivos eram uma só criatura
Quando sorrir ainda se podia...,

Talvez apenas a tua imagem crua sobre a cabeceira
A tua imagem tatuada no meu peito
Teus olhos tatuados no meu pensamento...
E me sorri e me abraça e és sempre assim
E vejo tuas cicatrizes porque não és de concreto
Porque tens carne e sentidos e se permite sentir...

E vejo teus pêlos pelo cobertor
Teu cheiro no meu travesseiro
Teu sorriso tingindo a parede
E me lembro que podes sorrir
Que podes verdadeiramente sorrir.

Às vezes me pergunto se devo morrer também,
Por estátua minha ao lado da tua. E morrer.
Fechar os olhos. E morrer.

Acho que existe algum gene que expresse cimento
Em cada célula de nossos corpos,
Pois se te amo, me desumanifico.
Antes um homem, agora quimera, quiçá bruta pedra.
(E como posso amar uma pedra?)
Incrustado na rocha do meu corpo jaz todo amor que resta
E a ti entrego, que também é pedra.
Talvez um dia chamem isso de alma
E descubram que as pedras também podem sangrar.

Manoel Guedes de Almeida

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