Minhas mãos ainda estão trêmulas e a muito custo que seguro
as lágrimas. Meu corpo todo doí e ao menor ruído fico sobressaltada. Estou com
os nervos a mil. Tudo que vi hoje, sinceramente me parece uma cena de filme.
Não parece que estou na mesma realidade de
dantes, não me sinto no mesmo local, é como se eu apenas visse imagens
projetadas em um lugar aparte de tudo. A todo momento ligo pros meus amigos para saber como estão e me espanto quando o
telefone toca, sempre me perguntando: Quem dos meus amigos ta machucado ou
preso?!
Minhas amigas estão falando comigo, me ligando, pra
saber se estou bem, mas não consigo responder direito, porque to chorando
agora.
Me sinto uma inútil, como se não estivesse fazendo
nada. Sei que estou fazendo o que está ao meu alcance, mas ainda assim me sinto
de mãos atadas. Queria poder arrancar as pessoas das mãos do policiais e fazer
eles pagarem por tudo. Fazer as pessoas enxergarem tudo que está acontecendo.
Queria dormir, meu corpo pede descanso, depois de
tantas dias de caminhada, de sol, de fome e sede. Mas minha mente não deixa.
Imagens de mulheres sendo arrastadas pelos cabelos como animais, idosos
agredidos, jovens pisoteados e minha própria imagem borrada dos acontecimentos,
não me permitem dormir.
Minha amiga acabou de dizer que não vai para o
trabalho amanhã, porque não aguenta ver tudo isso que aconteceu hoje e ficar em
casa sentada.
Queria que esse sentimento se espalhasse como
rastilho de pólvora, ou como o spray de pimenta que jogam todos os dias na
gente, em toda a população teresinense.
A forma arbitrária e brutal de como a PM agiu hoje,
me deixa de tal forma enojada que até eu me sinto suja. A PM jogando spray e
soltando bombas nas pessoas que estavam no Bom Preço, pais de família e
trabalhador@s que estavam apoiando o movimento. Meu amigo chega e me diz que um
senhor (vendedor de picolé) disse para a polícia que eles não podiam agir
daquela forma, que era errado. Não foi preciso mais do que isso pra um deles
dizer: "Ah, posso não!? Pois leva logo esse aqui também!".
O estopim de lágrimas veio quando me disseram que
uma jovem, atingida no olho por uma bala de borracha, podia ficar cega.
É isso que chamamos de democracia?! Não foi isso
que aprendi inocentemente na escola.
A mídia cada vez mais tenta colocar a população
contra os manifestantes.
Sou estudante de jornalismo, e por vezes tenho um
enorme nojo da profissão. Sabemos que a mídia é comprada, sei também que tem
uma galera que depende do seu emprego, sei que tem gente tentando mostrar o
outro lado e sei que um dia posso ir parar em um estágio em um lugar como esse.
Se for pra fazer um jornalismo assim, sei que vou ter que fazer vestibular de
novo ou ficar pra sempre na barra da saia da minha mãe.
Agradeço imensamente aos comunicadores (incluo aqui
os fotógrafos, repórteres, blogueiros, "tuiteiros",
"faceboqueiros" e independentes de plantão) que estão do nosso lado,
mostrando a realidade dos fatos, e não como essa mídia vendida vem fazendo, nos
criminalizando e retaliando.
Acabei de chegar do sindicato, onde estávamos
(ainda tem gente lá) produzindo notas e matérias e, dentre outras coisas,
esperando noticias dos advogados do Fórum (vale um parabéns a eles, que estão
fazendo um trabalho belíssimo) que tentavam soltar as pessoas presas, que os
policiais tentavam a todo custo mante-los lá, passando por cima de legalidade.
Quando o Coronel James Guerra anunciou o preço de 10 salários mínimos pro cada
preso, como fiança. Isso não era da alçada dele decidir.
Cada ligação era um susto, cada informação
desencontrada era aperto no peito sem saber quem realmente estava solto ou
machucado. Nem a cara podíamos colocar do lado de fora, pois tinha policiais
rondando o local
Hoje vi um massacre. Da ordem, da democracia, da
cidadania, da HUMANIDADE!
Sinto que ainda temos que caminhar, mas nossa luta
tenho fé, será vitoriosa.
Tudo isso me deixa enojada, e me faz refletir sobre
a conjuntura de tudo, sobre a sociedade que vivemos. Até antes pensei que
vivecemos em uma comunidade que chamávamos de CIVILIZADA, mas depois de tudo
que tenho visto e vivido esses dias, sinto que na verdade o tempo das cavernas
está ditando tudo e dentro de tudo, como um animal acossado que foge loucamente
quando arrebentam sua coleira.
Quero poder correr livremente e gritando que
conquistamos nosso intento, vamos fazê-lo.
Nojo e sentimento de impunidade, define esse meu
momento.
Queria um abraço nesse instante para fugir um
segundo dessa realidade, fingir que foi tudo um sonho ruim. Queria dar um
abraço em todos os companheir@s que estivem ao meu lado em várias lutas da
minha vida, e nessa do ContraOaumento mais ainda. Abraçar aqueles que eu não
conheço, mais que estão nas ruas todos os dias, na luta pelo mesmo ideal.
Desculpem se alonguei amig@s, mas senti a
necessidade de desabafar.
Existem braços na luta companheir@s!
O meu está lá.
Sem mais forças para escrever.
Abraços.
(Doda Pereira, madrugada de 11/01/2012)
ps: Texto feito na época das manifestações em Teresina contra o aumento da passagem. No dia exato de confronto mais truculento da polícia contra os manifestantes.