terça-feira, 17 de abril de 2012

Um caso de amor

Ainda chorando?
Deixe a sua filha chorar, isso não faz mal. Deixe ela chorar, saia de perto da porta, deixe-a. Não há ninguém mais responsável do que ela para ser irresponsável com seus atos e de saber reagir ao amor e a dor.
Agora a casa dorme em paz, ninguém por perto e nem sinal de choro ou de TV ligada.
-Bom dia!
-Bom Dia! Acordou bonita. Chorar faz bem pra pele?
Depois dessa pergunta só alguns risos tímidos fizeram parte da conversa.

Nunca esqueça: quando ensinastes tua filha a comer, e com cinco anos ela deixava de lado os temperos no prato, separando-os do resto da comida, só não sabia tu, boba, que ela já estava por crescer e já estava aprendendo a diferenciar e  a aproveitar aquilo que lhe ofende daquilo que lhe defende. Tente, antes de dormir, exemplificar esta metáfora.

Todo dia, na maioria das horas dele, a mãe recorda dos olhos de lágrimas da filha. E só agora ela resolveu se preocupar. Como se ela pudesse se preocupar.
7 horas. A cidade inteira acorda pro pesadelo que se acostumou, e não devia: filas imensas, cheiros estranhos de lixos jogados em lugares estranhos,muitos moveis no quarto do casal, menos livros nas mesas das crianças. Com esse tempo, tempo de trabalhar, as vidas se resolvem fora de casa.
- Marina, segura as pontas aqui pra mim? Preciso voltar em casa, acho que esqueci uma chama do fogão acesa, a comida vai queimar.
Porque você está voltando pra casa? Ainda não é a sua hora de almoço. Não há nada em casa que tu pudesse precisar. Não se faça de louca, não há comida no fogo. Volte ao seu trabalho!
- Cala a boca, intuição!
A casa estava quentinha, há pouco todos estavam tomando café, e logo mais reuniriam-se para sestear. Uma casa de três pessoas. Uma boa família. Uma casa onde haviam apenas dois quartos. O primeiro, à esquerda da cozinha, era o quarto do casal; o outro era o da filha, e era neste que a mãe adentrara. Procurava por algo que pudesse explicar o fato do estranho comportamento de chorar da filha. Fazia isso sempre às escuras do sol, em um silêncio absoluto do escuro do quarto.
Quem procura o que quer, olha, sua idiota, encontra o que não quer.
Olhou na penteadeira branca, entre suas roupas, perfumes, sapatos. Vasculhou o quarto inteiro, estava quase a desistir. A intuição agora estava em completo silêncio, mas a orientou a procurar embaixo do colchão da cama, já que era o único lugar que faltava. Pois assim o fez, levantou e viu as provas: inúmeras cartas feitas por ela, os presentes que dele ela recebia, as lembranças, tudo deles dois..
-Mas como e porquê ela guardaria tudo embaixo, onde ninguém visse? Talvez nem ela mesma!
Apenas mulheres seguras guardam aquilo que foi bom. Até chorar faz bem. Quero que não seja tão tola e me obedeça novamente.
-Acabastes de me dar uma boa ideia.
O quarto ficou intacto.
A mãe trabalhou o resto do tempo pensando em como abordaria sua filha, pra acabar com a sua agonia. Ou com a agonia das duas.
18:00 hrs, a cidade inteira quer descansar da loucura do dia. Daqui a pouco falta menos para amanhecer. A filha chega em casa, e a sua mãe já está. Ao entrar, a filha estranha o fato mas não comenta, estava ao telefone com o namorado, como quase sempre. Ao desligar o aparelho, a mãe abordou a filha puxando-a para o quarto. Propôs-se a falar, tocando sua tez: Porque chorar tanto por um namorado? Porque viver tanto por um namorado? Já vi, tenho provas de que ele não lhe faz bem... olhe só para você, está chorando agora! Se ele foi embora, minha filha, é porque a vida quis assim, apenas aceite. Não morra com a partida dele!
O silêncio fez parte daquele ambiente. Dividiu a alma das duas, fechou o discurso da mãe.
-Nunca lhe pedi ajuda porque nunca precisei.
-Porque é ingrata! Quer ser cega!
-Esconder o que o seu namorado representa embaixo da cama e chorar toda vez que ele liga ou toda vez que ele sai daqui, menina, é prova de que ele não serve mais. Não é?
-Há quanto dias não o vê?
-15.
-Viu?
-Cala a boca! Agora só eu falo!

Qual razão faria explodir a voz do coração? Defesa? Confiança? Confiança, sem dúvida!

- Choro por amor, se essa não era a resposta que você queria ouvir. Choro porque amo-o demais. E se choro, mãe, é porque lembro. Porque foi bom. É por isso que choro: porque é bom! É bom lembrar das vezes que ele disse que me amava bem baixinho, no pé do ouvido ou no umbigo. É bom saber que mesmo longe, mesmo sem ter todos os dias para nos ver, o amor é o mesmo: não diminui nem cresce, é o mesmo- o maior. E sim, já faz 15 dias que não o vejo, mas você sabe que ele foi embora por mim. Foi embora pra voltar! É engraçado lembrar de nós dois, é bom demais para esquecer. Não me sinto sozinha, porque parece que somos o mesmo. Deus fez duas almas em uma só. Nossas necessidades são iguais. Quando as asas de um quebra, não se preocupe, o outro vira chão. Fomos amantes primeiros. Toda vez que nos vemos parece ser a única, a melhor. Conseguimos ser como poucos. Ele me quer, e eu também. Das brigas que também me fizeram chorar, juro que também me lembro delas chorando. Não é tentando esquecer, é tentando lembrar mesmo o quanto doía imaginar perdê-lo, imaginá-lo nas mãos de outra. Imagine o que ele também sente por mim, fique feliz com isso. Não é comum as relações durarem e serem verdadeiras. Essa confiança de saber que realmente vamos dar certo é que me faz chorar; Me faz acumular saudade de vontade de tê-lo em cada pedacinho de mim. Me faz viver melhor. Entenda, meu choro é o sorriso que nunca soube dar. Guardo seus pertences embaixo da cama pra me sentir mais dona do que sou, pra não perder de vista e não deixar ninguém vê. Hoje, como ontem e anteontem, mãe, estou só, mesmo junto. É porque ele está lá. Não é tão triste. Eu sei, ele foi embora. Foi embora pra voltar, pra gente casar. E se prepara, mãe. É mês que vem...
Teimosa, nunca percebeu o silêncio como prova de plenitude. Nunca percebeu as lágrimas como forma de conversar. Felicidade é confiar sozinho no amor que se deu.
(Rosseane Ribeiro)

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