ALMOÇO DE
SÁBADO
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Olha o arroz no fooooogo!!!
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Repara se o macarrão tá no ponto!
E
é aquela confusão de gente na cozinha e nos quartos. E passa pano, arruma
pratos, lava panela uns afazeres sem fim!
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As camas tão arrumadas!?
E
a criançada brincando prá e lá e prá cá, sem nem se importar com nada. Só
diversão, pé no chão, canela suja, mão melada de tinta e o cabelo já preguento.
A família reunida pais e mães, as tias velhas que só saem de casa nesses dias,
a primalhada, a avó que grita com todo mundo...
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Num quer uma geladinha não cumpadi........?
Cheiros
deliciosos que vem da cozinha, cheiros de mistérios que só os anos de
experiência ao pé do fogareiro no interior podem trazer. Mistérios que a sábia
avó e a tia sorridente não revelam por nada nesse mundo. São queijos, quiabos,
maxixes, feijão verde, carne de sol, pimenta e todo tipo de guloseima
espalhadas pela mesa que nem se pode imaginar no que irão se transformar. A
cozinha é o lugar de maior movimento na casa, com tantas mãos trabalhando em
maravilhas pra gente se empanturrar ao meio dia. Meio dia...?! Meio dia nada,
para tantas delícias ficarem prontas haja tempo!! Lá pela uma da tarde que se
come por aqui, enquanto isso a gente fica beliscando o que tá pronto e levando
cascudo por conta disso.
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Ei menina larga isso! E tome palmada!
Mas
quem diz que se aquetam?! Lá estão elas de novo, fazendo a mesma coisa. A mais
velha que comanda a brincadeira, fazendo as coitadas das mais novas de bobas.
Todas já descalças e com o pé vermelhos do chão de piçarra, o cabelo
desgrenhado e um belo “colar de pérolas negras” no pescoço. A pequetucha, que
num prende o emaranhados dos cachos de forma alguma, fica seguindo as outras
tentando acompanhar suas estripulias. Mas quase sempre fica para trás. A mais
velha com seus longos cabelos negros e sua tez da mesma cor vai ditando as
regras, como uma pequena general, enquanto a do meio, galega e gorducha e a
novinha morena e magrela vão à seguindo. E lá se vão elas, em fila, o trio
parada-dura em busca de mais aventuras. Isso é claro, antes tendo deixado uma
pequena zona de guerra no meio da sala.
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Abre aqui o portãaaaaaaaaao! Pensei que num tinha era ninguém aqui! Bom dia
meu povo. E lá se vem mais um tia velha com seu batom carmim e cabelo tingido
e com seu “namorido” acompanhando atrás. Dá beijinho, abracinho e a “bença”.
Ela passa logo pra cozinha pra ajudar as outras que lá já estão.
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Faltou água! Cozinha sem água não dá certo! Olha o tanto de louça,
rum, cuida cuida com essa água! E corre que corre pra ligar bomba, pra
puxar água no balde, que sai respingando na casa, que sai melando tudo. Os
homens vão lá cuidar disso.
Bomba
ligada, problema resolvido.
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Eu vou comprar um desses “negocin” pra mim, um “notebuka”. Pra olhar os
“broguis”. E a tia de queixo de duplo e cara rosada não perde a
oportunidade de fazer pilheria.
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Ver os “broguis”!? Coloca um espelho atrás de ti que tu vê os “broguis”!!!!
O teu “brogui”! Todos se riem da brincadeira, com dentes jovens, velhos,
branquinhos ou amarelados.
A
movimentação em torno da mesa começa. Tortas, lasanhas, arroz com feijão,
cariru, saladas coloridas, sem falar na
galinha caipira no ponto. Muita confusão para se servirem, é gente demais e
mesa de menos.
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Essa torta é de que?
--- Ainda tem arroz?
--- Francisca coloca mais caldo na panela!!
--- Quem bebeu meu refrigerante?
--- Mãaaeeeh ela tá mexendo na minha comida!
--- Eita que esse pirão tá bom demais!
Só
o estalar de línguas e bater de talheres nesse momento, ninguém fala nada.
Apenas mastigam.
(…)
(…) (…)
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Tem a sobremesa minha gente!
--- Qual?
--- É pavê.
--- Ouxi! E é só pa vê num é pa cumê não?!
O
velho trocadilho que passam-se os anos mas ao fim todos ainda riem. A muvuca
vai diminuindo e todos vão se aquetando em alguma cadeira velha de espaguete,
num sofá estampado ou se escorando nas paredes pra jogar uma conversa fora e
“sentar” a comida na barriga. Porque segundo a grande matriarca da casa, a
vovó, tem que ficar queto depois que come, se não da “fartiu”. Se ela diz, tá
dito. Um palito no canto da boca e um dedin de cerveja no ex-copo de extrato de
tomate.
(…)
(…) (…)
Ao
que no fim de uns minutos todos vão se libertando da letargia do pós-almoço e
se aprumando para irem para suas casas. Cada um com um depósito de plástico na
mão (ou uma lata de manteiga vazia, também serve) levando um pouco do que
sobrou do banquete de mais cedo, pra não ter que fazer janta mais tarde. Isso
sem antes a mulherada trocar fuxicos na cozinha enquanto lavavam a louça. Beijinhos,
despedidas e benção para os mais velhos.
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No outro final de semana é lá em casa.
--- Cumpadi a gente vai assistir aquele joguinho né?
--- A bença madrinha.
--- Pega a sacola com os ossos pro cachorro!
--- Até minha gente.
E todos vão pegando o caminho de suas devidas casas,
devagar e de barrigas cheias. Depois de uma semana chata, cansativa e tediosa,
essa foi a hora de esquecer-se de todos os problemas e ter um momento de
felicidade simples e plena. Um felicidade que acalma e acalenta. Agora é tirar
um cochilinho e tentar não pensar na outra semana chata, cansativa e tediosa
que estar por vir.
Mas
agora só quero saber é de um sonhinho... e do resto de pavê que deixei bem
escondidinho no fundo da geladeira. Meu resquício de lembrança desse dia.
(Doda Pereira 21/04/2012)
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