Acredito lealmente numa
premonição: a de que serei morto no meio da rua. Não sei se a mando de alguém,
por conta de um assalto, ou coisa que o valha. O modo não vai importar, e eu
nem tenho como prever nada. Tudo isso porque eu confio na humanidade. Ser humano
é muito complexo, somos diversos, de diversas formas. Mas, no geral, somos da
mesma espécie. E eu acredito que a gente vai mudar, a gente vai ser mais, a
gente vai pra melhor. E acredito também que, do mesmo jeito que existe gente
ruim nesse mundo, que existe gente que nem experimentou o direito de escolher
ser bom ou mau.
Ontem, mais uma vez, fui
assaltado. De madrugada, na volta pra casa depois de uma bebedeira. Nem que não
fosse, não me desqualifica nem tira o peso do acontecido. Não fui cauteloso, não
acredito nisso de medo de andar nas ruas, fui a pés pra casa (tá, poderia ter
pego uma moto-táxi. Podem parar de sentir dó do vacilão aqui).
Sou tão gente quanto as que vão
pras estatísticas, que aumentam os arquivos públicos com dados de “como a cidade
está perigosa”, “como precisamos de mais segurança”. Discurso político para nos
vigiarem. Acho graça (ironicamente) de anúncios como “SOCIEDADE EM PERIGO”,
“Protegendo o cidadão”, “A sociedade precisa de segurança” e afins. Essa idéia
fácil de sociedade em perigo, na verdade, esconde um discurso segregacionista
de “sociedade”, “cidadão”, “segurança” de um lado, e “marginal”, “bandido”,
“precisa de taca” de outro. Não somos tod@s sociedade? Somos tão humanos quanto
os caras que nos abordam no meio da rua, altas horas da madrugada (ou de dia
claro mesmo), e pedem pra passarmos tudo.
Não reajo a eles; resisto. Tento
preservar coisas que me são valiosas não pelo preço delas (porque, se forem
caras, também vão interessar aos assaltantes), mas pela importância (materiais
de estudo, ó, estudo que tanto faço para analisar formas não de enfrentar esses
caras, mas de como fazer que não precisemos segregar irmãos de espécie). Ontem,
dois celulares e dinheiro me foram levados (e ainda perdi minhas fichas do
refeitório). Preservei minha mochila, meus cadernos, meu conhecimento. Ainda
fiz um apelo “deixa um celular” (sim, tinha dois, “herdados” de meu irmão),
“pra falar com minha mãe”. Em vão. Penso na mamãe nessas horas. Ela diz que eu
sou doido e, tipo a mãe de Jeremias de “Os Que Bebem Como os Cães” (acho que
ela diz isso porque me ouviu dizendo), que “não sou a palmatória do mundo”.
Não fico revoltado, muito menos
vou sair por aí dizendo “bandido filho da puta”, não concordo com essa cultura
criminalizante que muitos de nós adotamos. O que eu fico é triste, de verdade, pelo
fato de não ser reconhecido pelo oprimido como irmão de luta. Quase que
certamente, os caras que me assaltaram não têm a menor elaboração teórica do
que seja isso (embora saibam que são oprimidos, mesmo não dizendo, mesmo não
refletindo isso. Assaltar é uma forma de expressarem essa percepção. Não julgo
certo ou errado, constato isso todavia). De que, na verdade, em vez de nos
ofendermos, deveríamos estar irmanados na busca de uma sociedade mais justa e
igualitária.
Lembro da monografia que fiz para
o Bacharelado em Direito. Uma autora muito massa dizia que nós nada somos ou
valemos se não contarmos com o olhar acolhedor do outro. Um homem nasce e morre
decisivamente a partir do olhar que o outro lança sobre ele. Não vou cansar de
lembrar e repetir esses ensinamentos. Vou continuar acreditando que não preciso
ter medo de andar pelas ruas do meu bairro. Um bairro criminalizado, onde a
polícia passa não para fazer patrulhas, mas para procurar criminosos,
diferentemente da “parte rica” da Zona Leste.
Não vou dar uma de
pequeno-burguês e querer que as pessoas dos bairros mais ricos economicamente
da cidade sintam na pele a criminalização, que haja uma inversão de pólos e meu
bairro seja mais “seguro”. Todos merecemos proteção. Não de uns contra outros,
mas que sejamos protegidos contra os abusos do Estado que nos oprime, e do
sistema que o embasa. Essas, sim, são estruturas operadas pelas pessoas ruins
de que falei no começo do texto.
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